quinta-feira, dezembro 17, 2009

O passar do tempo


O tempo esta passando tão depressa que parece até que o tempo tem cada vez menos tempo para passar. Este foi um mote para publicitar uma Cia. de Seguros anos atrás, mas serve para exemplificar a velocidade com que sentimos o passar do tempo nesta contemporaneidade.

A velocidade nas nossas transações correntes trazida pela internet, principalmente após a socialização da web em 1995 é certamente uma das razões para isso. A informação que, antigamente, pautava nossa vida vinha no compasso do navio ou do cavalo. O Brasil é um país de informação tardia pela sua condição de colônia. O deslocar da família real portuguesa de Lisboa para o Brasil em 1808 trouxe como apêndice a Imprensa Regia viajando em navio da frota de nome "Medusa" aquela senhora que tem cobras na cabeça. Dizem as línguas mais afiadas esta é a razão dos dotados com o escrever terem aversão a espelhos e pedras.

Na vagarosidade de 1808, o jornalista Hipólito José da Costa imprimia na Inglaterra o Jornal "Correio Brasiliense" e cada edição despachada de navio para o Brasil chegava com as últimas notícias três meses após a impressão e saída da Europa. Eram conteúdos tardios, pois, ao chegar outras já eram as temáticas do momento. No Brasil do início do século passado a informação chegava às grandes fazendas e depois era ia se adentrando ao interior no lombo de cavalos e burros.

Paul Virilio fala de velocidade da informação comparando-a com a evolução dos motores. O seu último motor e o mais veloz é o motor informático, da velocidade do tempo online, o tempo no entorno de zero. É o motor que coloca o homem em uma realidade do agir digital. A informação online modifica toda a afinidade com o real e permite vivenciar uma realidade potencial: da convivência sem presença física. Consente, também, uma velocidade que interatua em todas as condições de uma nova relação da informação, as trocas e o mercado.


Tudo isso nos traz a impressão de o tempo estar passando mais depressa que usava passar. Então, o físico alemão, W.O.Schumann constatou em 1952 que a Terra é cercada por um campo eletromagnético poderoso que se forma entre o solo e a parte inferior da ionosfera, cerca de 100 km acima de nós. Esse campo possui uma ressonância mais ou menos constante, da ordem de 7,83 pulsações por segundo. Funciona como uma espécie de marca-passo, responsável pelo equilíbrio da biosfera, condição comum de todas as formas de vida.

Por milhares de anos as batidas do coração da Terra tinham essa freqüência e a vida se desenrolava em relativo equilíbrio. Ocorre que a partir de anos 1980, e de forma mais acentuada a partir de 1990 com a Internet, a freqüência passou de 7,83 para 11 e para 13 hertz por segundo. E o passar do dia poderia ter então 16 horas ao contrario das 24 habituais. Era o que teorizava a sua Ressonância Schumann. Apesar disso os relógios atômicos continuam a marcar vinte e quatro horas para cada dia e os cientistas não endossam com vigor os achados da ressonância em suas condições práticas.

A sensação de um tempo indo mais rápido, contudo existe, e pode ser atribuída a uma forte indução ao consumo feito pelos meios massivos de comunicação que procuram pautar nosso cotidiano no futuro para seu próprio benefício de vendas. Quanto mais vende o comércio mais encomendas têm a indústria e todos têm mais dinheiro para atribuir às verbas publicitárias dos meios de comunicação. Na agenda do consumo programado vivemos sempre no futuro.

Assim, por um interesse mútuo dos meios, anúncios, consumo somos incentivados a viver sempre além do presente. Em outubro somos jogados para viver dezembro num jingobels de compras natalinas, em janeiro ante vivemos a alegria do carnaval de fevereiro; em março os chocolates da páscoa mais além, depois o dia das mães em maio, dos namorados em junho, dos pais em agosto, das crianças em outubro e já esta na hora de agendar o futuro natal de novo. Apressamos a chegada do futuro embora o tempo e as ressonâncias nada tenham a ver com isso.

Para os que não têm esta opção de consumo exacerbado, a parte mais desprovida da população, o tempo passa inexoravelmente a cada hora na aflição de um dia de 24 horas.


http://es.wikipedia.org/wiki/Resonancia_Schumann

domingo, dezembro 06, 2009

O descompasso entre a mente e o corpo


John Desmond Bernal foi um dos mais eminentes cientistas da sua geração e uma importante figura política - o principal porta-voz de uma ciência para todos, em sua época, no Reino Unido. Um fato até então pouco explorado da sua carreira foi o seu interesse na informação em ciência. Os arquivos de Bernal em Cambridge mostram a sua participação no desenvolvimento da área de informação, sua organização e sua documentação. Foi figura de proa para estabelecer um Instituto de Informação Científica no Reino Unido e participou na fundação do grupo que liderou com Jason Farradane a introdução da ciência da informação como uma nova disciplina em 1948. Nesta data foi realizada em Londres a Royal Society Scientific Information Conference, um dos marcos da criação da nova área, quando cientistas de todo o mundo e de quase todos os campos foram a Londres com propostas para resolver os problemas de acesso e organização da explosão de informação pós guerra.

Bernal escreveu em 1929 um longo texto:  The World, the Flesh and the Devil, “uma investigação sobre os três inimigos da alma racional” com o subtítulo do documento tirado da ladainha de Santo Antonio Eremita: “das ilusões do mundo, da carne e do demônio”, dizia o Santo eremita e a congregação respondia “livrai-nos, Senhor.”

O físico Bernal introduzia com ser artigo, do começo do século passado, uma reflexão que será constante neste nova época da vivência digital: como harmonizar uma mente cada vez mais forte, iluminada e criativa com a fragilidade de um corpo que se esvai com o passar dos anos. A mente, pelas facilidades contemporâneas de um imaginário mais aberto, está ampliada em sua agudeza e na percepção ao lidar com a visualização do mundo. O corpo apesar da ajuda das próteses supervenientes  biologicamente decai.

É uma ilusão estar no mundo e não se aperceber este descompasso do viver com um corpo antigo e usado, mas com uma mente nova e cada vez mais fulgurante. Foi procurando reforçar um refúgio corporal forte que Mary Shelley em 1816, com sua escrita, utilizou de um físico forte e assustador, para lidar com o preconceito. A sua história do doutor Victor Frankenstein serviu para defendê-la da exclusão das mulheres. Ela fala pela voz do outro corpo: "Terei de respeitar o homem quando ele tudo me despreza?" "Por toda parte vejo felicidade da qual estou irremediavelmente excluído".

No mito de Prometeu o Titã está corporalmente preso a um Monte, castigado pela sua ingerência em gerar um novo ser pensante. Conta a lenda que o Céu e Terra já estavam criados quando Prometeu chegou à terra. Com argila e água fez um corpo de homem à semelhança dos deuses. Tirou das almas dos animais características boas e más animando a criatura. Atena, deusa da sabedoria, insuflou o espírito com sopro divino. Mas toda esta feitura irritou Zeus que prendeu Prometeu ao monte Cáucaso. Quandor libertado, mas tendo que cumprir sua sorte, passou a usar um anel com uma pedra retirada do Monte. Seu corpo estava para sempre preso àquela montanha. Mas a mente estava livre.

A natureza humana vem pensando esta prisão do corpo em contraposição a liberdade da mente há algum tempo; uma desarmonia, agravada na era digital, que mostra o homem preso a seu físico temporal, mas seu avatar vivendo sem idade pela não não presença física.

O padre Teilhard de Chardin escreve em 1950 que a evolução da humanidade caminhava para um aumento inevitável de complexidade e sensibilidade da mente humana. A sua noosfera pode ser vista como a esfera do pensamento humano e seria a terceira etapa no desenvolvimento da Terra vindo depois da biosfera que seria o contexto da vida biológica.

Segundo, padre Chardin, existe, a atmosfera, a geosfera e biosfera e depois um mundo ou a esfera das ideias com seus produtos culturais, o espírito, linguagens, as teorias e o conhecimentos. A noosfera esquece a condição de envelhecimento biológico ao se aproximar da ideia de ciberespaço, um espaço que prescinde do corpo físico estar  para realizar os atos de  convivência. No ciberespaço para constituir as obras e feitos de interação é dada ênfase à ação da imaginação, a criação de imagens em comunhão com os demais conviventes. Neste espaço privilegiado entra-se com a mente e as ideias deixando o corpo do lado de fora da interface.O nosso avatar sem idade realiza tudo o que sonhamos ser.

A crescente complexidade da existência do homem e sua capacidade mental torna necessário lidar, também, com as complicações mecânicas de uma complexa organização sensorial e motor. Para as partes de um corpo vivido estão sendo dadas funções cada vez mais modernas independente de sua condição de uso permanecer a mesma.  A mente humana deveria evoluir no compasso do corpo humano. Mas existe este descompasso que  tem aumentado com o acesso a informação. Estas ligações intrincadas entre mente e corpo indicam que os atributos fisiológicos levarão a novas consequências psicológicas molestando o todo do organismo. É por conta desse delicado equilíbrio entre os fatores orgânicos e as articulações do pensamento que o futuro vai estar cheio de pontos perigosos e armadilhas de percurso.

Um deles será o impulsos da sensualidade exacerbada por todas as mídias, sugerindo um corpo aprimorado como forma de encantar as relações com o outro; o que nem sempre é possível, quando corpo decai com o passar do tempo. A solução seria  a sublimação como processo consciente desviando a energia para novos objetivos ligados ao intelecto.  Uma parte desta sensualidade reprimida poderia levar à criação de artefatos estéticos para uma realização pela arte. Arte aqui entendida em seu sentido amplo, como a capacidade que tem o ser humano de colocar em prática suas ideias valendo-se da faculdade de dominar fisicamente a matéria e as os chamados por realização sensorial. Poderia, assim, ser atenuada a impulsividade reprimida do invólucro que não responda mais aos poderosos anseios de um imaginário ampliado de opções.

Algum tipo de equilíbrio terá de ser encontrado entre a ideação e seu relacionamento corporal. Qual será o futuro do sentimento no homem, por exemplo? Será mais emocional ou mais racional em um mundo cada vez mais mecanizado nas relações de convivência privada e no trabalho em convivência. No trabalho o indivíduo racional tem de satisfazer condições de vigor para manter o equilíbrio com a objetividade motora de seu grupo profissional; só isto lhe permite  continuar ali sem ser excluído ou ter que apagar como o replicante de Blade Runner. (2)

Como a emoção irá atuar neste descompasso. A condição  emocional estará sob o domínio de um estado de vigília constante. Uma parca vivência será a dos seres humanos em estado de supervisão permanente de seus sentimentos para poder permanecer na convivência incorpórea das redes de coexistência digital.

Um comportamento do organismo mecanizado por  próteses facilitadoras será um mistério a ser revelado no provável futuro que está cada vez menor que o passado.; e na medida que aumenta o saber acumulado o corpo tenderá a querer ousar, porque sabendo mais irá querer ousar mais e em tal ousando exporá a sua fragilidade de invólucro ao risco de destruição. Realizar o imaginário em seus todos os seus aspectos é uma vocação da mente, mas também é um anseio do corpo e na bifurcação destes caminhos está um conflito impensável e irreversível. Viver com um corpo 1.0 e com uma mente 2.0 é uma armadilha engatilhada.

Aldo de A Barreto


1 Johann Goethe escreveu um pequeno poema de poucas estrofes sobre a lenda de Prometeu, que aqui se reporta a Zeus:

"Por acaso imaginaste, num delírio,
que eu iria odiar a vida e retirar-me para o ermo,
por alguns dos meus sonhos se haverem frustrado?
Pois não: aqui me tens
e homens farei segundo minha própria imagem:
homens que logo serão meus iguais
que irão padecer e chorar, gozar e sofrer
e, mesmo que forem parias,
não se renderão a ti como eu fiz"

2 Veja a bela despedida do replicante ao ter que abandonar o seu corpo: "Eu vi coisas que vocês nunca teriam imaginado" [(I've seen things, from Blade Runner)] em
http://www.youtube.com/embed/EOSIj_AxxX0?feature=player_detailpage" frameborder="0" allowfullscreen>

3 John Desmond Bernal escreveu "The World, the Flesh  and the Devil" em 1929 e o link é  http://www.santafe.edu/~shalizi/Bernal/

4 "O Lugar do Homem na Natureza", de Pierre Teilhard de Chardin é de 1997, editado pelo Instituto Piaget

5 a imagem acima é de Tomasz Alen Kopera