domingo, outubro 26, 2014

Palavras






Jorge Luis Borges nos diz: "é preciso ser fiel ao sonho e não às circunstancias.....as palavras começam, em certo sentido, como mágica.  Associando  ao traço visível à coisa invisível, a coisa ausente que é desejada ou temida, como frágil passarela improvisada sobre o abismo". As palavras nos significam  e nos definem e identificam e nos ligam àqueles que tratam conosco na alegria, na tristeza e quando do esquecimento. Escrever pode, então, ser um lamento ou uma canção de amor não correspondido. Esta escrita de agora é o meu lamento no dia 26 de outubro de 2014.

“O rumor da língua” pode ser lido  em “Fragmentos”onde encontramos o texto de Barthes: “Malogramos sempre ao falar do que amamos”, originalmente destinado a um colóquio sobre Stendhal em Milão. Acredita-se ser este o último dos trabalhos de Barthes. Depois de manuscrevê-los, ele os datilografava, fazendo pequenas alterações. A segunda página de “Malogramos sempre...” estava na sua máquina de escrever em 25 de fevereiro de 1980.

Naquele dia, Barthes foi atropelado  por uma caminhonete em frente ao College de France, onde ministrava um curso sobre Marcel Proust e a fotografia. Morreu num hospital não muito distante, um mês depois, a 26 de março. Barthes começa “Malogramos sempre ao falar do que amamos” narrando um episódio acontecido na estação de Milão. Da plataforma, numa noite fria e nevoenta, ele vê partir um trem destinado a Lecce. Imagina-se viajando para lá, até, ao amanhecer, atingir a luz com doçura e calma fantasiadas. (Barthes jamais conheceu a cidade da Puglia.)

Saído do transe, logo lembra-se de parodiar Stendhal: “Então eu vou ver essa bela Itália! Como ainda sou louco nesta minha idade!” E acrescenta uma frase que, na minha opinião, torna o título da palestra um hino à alegria: “Porque a bela Itália está sempre longe, noutra parte.?”

Para “Malogramos”, o que acontece  é usar a escrita como uma potência de defesa, fruto provável de uma  iniciação, que desfaz a imobilidade estéril do imaginário amoroso e dá à a nossa aventura uma generalidade simbólica.”

Como se lê, não nada há no último texto de Barthes que antecipe a sua morte eminente. Ao contrário, o que ele nos reafirma é a vida, é o caráter transcendente da arte com sua possibilidade de se tentar dar sentido a essa coisa toda.  Tomada como paradigma do paraíso ou de refúgio da lembrança  a cidade de Lecce está sempre longe, noutra parte. Mas nós sempre teremos Lecce.

Concluo esta escrita agora porque como um velho docente  e  não podendo mudar nada, pois  sequer  sou chamado a opinar em minha área,  procuro sanar em meu peito esta minha imobilidade estéril,  com o que pelo menos posso fazer:  a escrita meu refúgio simbólico, meu lamento de amor, alegria e tristeza.

Aldo Barreto
26 de outubro de 2014

imagem de Tom Baetsen - xlix.nl