terça-feira, junho 30, 2009

Só se fores tu a pessoa a quem a palavra é dirigida


A informação modificou o seu status quando o seu destino se vinculou ao conhecimento como um fato cognitivo do sujeito e ao desenvolvimento como decorrência socioeconômica natural da acumulação deste saber. A essência do fenômeno passou a ter uma condição de intencionalidade para gerar conhecimento no indivíduo e em sua realidade.

Contudo, as modificações na esfera de influência da informação não foram acompanhadas de uma explanação teórica para que esta relação fosse demonstrada e aceita como formal. A falta de um consenso teórico nesta área permite que cada um insira seu arcabouço de pensamento no discurso.

Considero, em meu quadro teórico, que o valor dos artefatos de informação está relacionado a uma manifestação do fenômeno da percepção da informação, aqui indicado como à interiorização do conteúdo semântico da narrativa que quando apreendido modifica um estado de consciência. A essência deste fenômeno, muitas vezes raro e sempre surpreendente aparece, quando da transformação de estruturas simbólica, em realizações de uma consciência.

É neste sentido que a informação sintoniza o mundo, pois referencia o homem ao seu semelhante e ao seu espaço vivencial. Assim colocada, a informação fica qualificada como um instrumento modificador do sujeito e seu grupo. Fica, também, estabelecida a relação entre informação e o conhecimento, que só se realiza se a informação for percebida e aceita como tal.

Aceitamos que o conhecimento é uma alteração provocada no estado cognitivo de uma pessoa. Está organizado em estruturas mentais por meio das quais este assimila o meio. Conhecer é um ato de interpretação, uma assimilação do objeto pelas estruturas mentais. Estruturas mentais que não estão pré-formatadas no sentido de virem programadas desde os genes; são construídas pelo indivíduo que percebe o meio.

A geração de saber é uma reconstrução destas estruturas mentais através de competências cognitivas, uma modificação acontecida no estoque mental de saber acumulado, resultante de uma interação com uma informação percebida. Esta modificação pode alterar o estado de conhecimento ou porque aumenta o estoque acumulado, ou porque sedimenta saber ou porque modifica algo neste estoque.

Em nossa argumentação, o conhecimento é um fluxo de informação que se potencializa através de estruturas de informação que se foram via um processo de transferência. Assim, o fluxo se completa ou se realiza, com a percepção e assimilação da informação pelo receptor como um destino final da relação.

As afinidades da comunicação da informação com a linguística foram indicadas por Jakobson* de maneira clara e acessível. Um ato de comunicação se efetiva quando um emissor, remetente envia uma mensagem a um destinatário. Para se realizar de forma eficaz a mensagem necessita de um contexto de referência e este contexto precisa ser acessível ao receptor. Este contexto deve ser verbal ou passível de ser verbalizado.

É necessário ainda um código, total ou parcialmente comum ao emissor e ao receptor e finalmente um contacto, isto é, um canal e uma conexão psicológica entre o emissor e o receptor, que os capacite a entrarem e permanecerem em contato. Cada um dos seis fatores indicados por Jakobson determina uma diferente condição da linguagem em relação à comunicação.

Mas, grande partes destas explanações teóricas foram realizadas na realidade objetiva quando o sujeito habita fisicamente seu espaço e ali executa os atos, fatos e idéia de sua aventura individual. Mas nesta atualidade convivemos com duas realidades. Há que considerar a virtualidade. A realidade virtual comporta uma velocidade online de tempo quase zero que acaba com o distancia e superfície e permite uma vivência com outros e em outros lugares sem a presença física do indivíduo. A troca de enunciados é momentânea e a escrita pauta a linguagem que permanece como idioma, mas tem sua função comunicativa raposicionada.

Sou do tempo que a missa católica era em latim e o sacerdote ficava de costas para a “comunidade” conduzindo-a pela nave central do templo, translúcida no “vitrail”, e se dirigia ao infinito transportando o grupo na mágica experiência de um falar com Deus ali invocado. Pois no princípio a palavra estava nele e ele era a palavra. A realidade virtual permite esta ida ao infinito para uma vivência com a palavra que vai alem dos códigos formais ou da compustura de uma linguagem.

A experiência vivenciada por mim é só minha e de mais ninguém. É um estado de tal exclusividade que Wittgenstein a indica dizendo: " Não podes ouvir Deus a falar com outrem, só o podes ouvir se fores tu a pessoa a quem a palavra é dirigida. Isto é uma observação gramatical" *

[trecho de 2004 revisitado e atualizado]

Jakobson, R. , Linguística e Comunicação , Cultrix, São Paulo, 1993
Wittgenstein, L. , Zettel (Fichas) , Edições 70, Lisboa, 1981 Ficha 717

domingo, junho 21, 2009

A escrita é uma alegoria da linguagem


A linguagem é um universal parte da condição humana e muito antiga, já a escrita, como sistema, é uma invenção relativamente moderna. Se existem hoje 10 mil idiomas, existem só 400 escritas e somente 12 faladas por mais que um milhão de pessoas.
Compreendo a linguagem como um sistema de signos convencionados que pretendem representar a realidade objetiva para possibilitar a comunicação humana, e entendo a escrita como a manifestação gráfica de uma língua, de forma permanente ou em evolução, mas inscrita em um suporte. A escrita se flexiona no tempo.

Nossas mentes forjadas em uma existência oral ainda não lidam bem com a escrita e domar a apreensão pela leitura implica redesenhar as cadeias de pensamento integrando novas conexões neuronais, estruturas do idioma, percepção visual e cognição e memória.

A percepção de um texto escrito é mais complexa que a sensação da percepção da estrelinha que cai no horizonte ou da cadência ancestral da música conhecida. A apreensão da escrita demanda decodificação, recognição e interpretação. Envolve uma configuração mental com a participação de avaliação, memória, signos, significantes e significados.

As sucessões de eventos, que se ajustam, para interiorização do significado, de uma estrutura escrita, exigem uma condição de solidão fundamental do receptor. Esta é uma condição de isolamento subjetivo para articular o pensamento naquele tempo e nada tem a ver com a solidão por não estar junto com outros.

A maioria dos textos tradicionais é sequencial, ou seja, existe uma única sequência linear definindo a ordem na qual o texto deve ser lido e tudo se coloca em um tempo único e delimitado. Mas a escrita digital não é sequencial; não existe uma única ordem de leitura, e esta acontece por textualidades em entrelaçamento personalizado e através de uma multiplicidade de escritas sem que uma domine a outra, como tendo sua paternidade definida na linguagem.

A apreensão pela escrita linear se dá em um momento do presente em confluência com o passado e na perspectiva do futuro. Mas na leitura digital a percepção está em um tempo online de uma realidade virtual sem distância ou superfície delimitadas onde a interiorização acontece em um presente imponderável, pois a velocidade da coisa toda faz com que passado e o futuro desabem neste presente. Um presente que é a soma de todos os tempos.

Aldo de A Barreto

sexta-feira, junho 12, 2009

O conhecimento é como um fantasma evanescente

Para instrumentar e delimitar o meu pensamento subsequente entendo o conceito de informação como sendo:

“conjunto simbolicamente significante com a competência e a intenção de gerar conhecimento no indivíduo em seu grupo e na sociedade.”

Assim, definida a informação fica qualificada como um instrumento modificador da consciência do homem e de seu grupo social. Deixa de ser, unicamente, uma medida de organização, por redução de incerteza, para ser a própria organização em si.

Fica ainda, estabelecida a existência de uma relação entre informação e conhecimento, que só se realiza se esta for percebida e aceita como tal colocando o indivíduo sensível em um melhor estágio de vida, consciente consigo mesmo e com o mundo onde realiza a sua odisséia individual.

Passar a existir na minha reflexão a função estética do fenômeno do conhecimento que é a sensibilidade para apreender a informação; a emoção que tenuemente precede a percepção e representa um sentimento da momentaneidade do eu avaliando o mundo.

Os sentidos têm o a função de nos fazer conhecer o percebido. Dá-nos uma concepção dos objetos e uma confiança em sua existência, uma sensação que acompanha a percepção. Ao cheirar uma rosa o odor esta inscrito na flor que é a base para a percepção, neste caso é a qualidade da rosa que percebo pelo olfato. Há nesta intervenção tanto sensação quanto percepção. “O olho não pode deixar de ver: Não podemos calar o ouvido. Nossos Corpos sentem, onde quer que estejam, contra ou com a nossa vontade” *

O suporte de inscrição da informação pauta o regime de nossa percepção e sempre queremos que as tais inscrições digam mais que o permitido pelos seus códigos. Há, assim, uma enorme vontade de multiplicar os discursos. Discursos crescentes que se acumulam em estoques.

Quando falamos dos estoques de informação queremos indicar, o acervo, um quantum de informação armazenada que é um componente do conhecer operando via percepção do conteúdo arranjado em uma base. Este acervamento estático não gera conhecimento. Existe como possibilidade, como potência da condição de gerar conhecimento.

Para que o conhecimento opere é necessária uma transferência dos “significados em armazém” para a realidade dos receptores em uma conjuntura favorável de comunicação. Nesse momento nada é menos total que a interação com a informação inscrita, pois nada é mais subjetivo, privado e individual que a sensação que precede a assimilação. O processo é diferenciado e oculto, para cada receptor e a apropriação é dele, de mais ninguém. É este então, o lugar do conhecimento, a consciência individualizada que apreende um significado que lhe é destinado.A assimilação da informação é, assim, a finalização de um processo de aceitação que transcende o uso no ato de apropriação. Entendo o conhecimento como uma passagem, um fluxo de percepções que são amoldadas pela mente e este é um processo que se realiza no espaço de uma subjetividade. É um caminho pessoal e distinguido e revela um ritual de interação entre um sujeito e uma determinada estrutura de informação, que gera uma alteração em seu saber acumulado.

Esta apropriação representa um conjunto de atos voluntários, pelo qual o indivíduo reelabora o seu mundo modificando seu universo de conteúdos simbólicos. É uma criação em convivência com cognições prévias e com sua percepção. É um inicio do que nunca iniciou antes, mas que encadeará sempre a uma conseqüência, ainda que, aconteça um retorno para ao estado inicial. O conhecimento como pixels de fósforo da tela de raios catodos de uma interface digital acendem e apagam na criação do pensamento em uma escrita digital. Um fluxo que se finaliza no seu acabamento e tem a evanescencia de fantasmas. “O pensamento nada mais é que uma onda elétrica pequenininha se espalhando pelo cérebro numa escala de tempo de milissegundos” **

Nesta relação só a informação inscrita pode ter lugar no continuum do perceber ao conhecer. Seja esta inscrição digital ou em papel ou papiro; em pedras de um sítio arqueológico, na múmia museificada ou em um arquivo domiciliado. Inscrição, ainda, na observação da imagem da estrela que fica cadente no céu ou no som do apito de um trem, contumaz passante, indicando sempre que são às cinco horas da tarde. A relação da informação com o conhecimento se efetiva na inscrição.

Seria, então, um resguardo intelectual referências à gestão do conhecimento, base de conhecimento, organização do conhecimento ou conhecimento tácito como entidades teóricas de existência estabelecida, mas admitida por crença.

São entidades que abstraem ter uma estrutura e uma inscrição, pois prescindem e se colocam congênitas com a percepção. São manifestadas antes de se exprimir e não podem ser evidenciadas ou percebidas na qualidade do objeto. São institutos que querem ser resolvidos na condição de uma resposta divinamente revelada. Trata de um, quando quer falar do outro. Trata da informação fixa em sua base, mas quer indicar como permanente algo que se extingue no momento de sua criação.




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* Miguel Nicolelis, neurocientista, em entrevista a Folha de São Paulo de 10 de junho [JC email da SBPC 3781]

** Wordswirth (1798) – “The Tables Turned” in Select Poems, Sharroc

domingo, junho 07, 2009

Mediações digitais



Em recente estudo exploratório mas realizado com dados experimentais em um grupo controlado de observação, intuímos que:

a) A mediação da informação para geração do conhecimento se relaciona qualitativamente com o formato em que a informação está inscrita; A percepção da informação difere de acordo com cada formato; A assimilação da informação que pode gerar conhecimento se processa de maneira diferente quando o receptor interage com um documento em formato linear ou quando o documento está em formato digital, tipo hipertexto com links para outros documentos.

b) A percepção da informação digital gera conhecimento diferenciado, mais elaborado e de melhor qualidade considerando a abrangência, a riqueza de conteúdo, a atualização e os detalhes temáticos. A percepção digital acontece via um fluxo de pensamento divergente, onde os meandros da consciência se orientam para uma associação conceitual aberta mas que é referenciada à aventura individual e simbólica de cada receptor. Suas vivências, suas projeções futuras e suas condições de individualidade.

Objetivos bem definidos norteiam todo o pensamento subsequente na estruturação de uma área. Orientam sua pesquisa, o seu ensino, delimitam suas fronteiras, às inter-relações com outras disciplinas e o seu núcleo temático.

Neste momento, devido a uma interação de tecnologia intensa a informação, suas ações e praticas, redefine continuamente a prioridade de seus objetivos. A base teórica corre atrás das práticas mutantes tentando explicar os novos posicionamentos.

Desde 1990 as tecnologias da informação estão definitivamente inseridas no contexto dos atos de informação. Quando falamos da interiorização da informação nos limitamos a trocas simbólicas entre seres humanos e em conteúdos depositados em estoques institucionalizados.

A recepção positiva da informação sempre foi a finalização de um processo de aceitação que transcende o seu uso ou manuseio, um ato de apropriação é uma percepção que atravessa visceralmente o sujeito na afetividade de uma conexão bem realizada. Este é o destino final do fenômeno da informação ao criar condições modificadoras e inovadoras no indivíduo e em sua vivência. Fluxos apropriados pela consciência em um processo que se realiza na sua subjetividade.

A celebração da solidão individual está ampliada pelas facilidades de acesso às memórias eletrônicas e o receptor não aceita mais percorrer os caminhos mapeados por universos temáticos particularizados por uma ideologia linear do texto. Há que se articular um comportamento novo e remarcar os limites da abrangência da área de informação considerando a nova visão de produção, distribuição e consumo de narrativas digitais.

O propósito da ciência da informação é o de conhecer e fazer acontecer o delicado fenómeno de percepção da informação pela consciência do indivíduo; percepção que, se adequada, conduz ao conhecimento do significado nela contido.

A essência do fenómeno é esta sua intencionalidade. Uma mensagem de informação deve ser direcionada, arbitrária e contingente para atingir o seu destino; e produz sempre tensão quando da interatuação nos dois espaços: o do gerador e o do receptor da informação para onde o conhecimento se destina.Nos momentos de passagem a informação tem sua particularidade mais bela, pois transcende ali a solidão fundamental da consciência do receptor, quando um pensamento criador se faz conhecimento pela mediação apropriada. Esta é a qualidade e a característica contida na mediação da informação, que por isto é sempre rara e surpreendente no seu conseguimento.


Neste processo de transferência os eventos se relacionam às pessoas que se comunicam entre si. Todo ato de conhecimento está associado ao conteúdo significante de uma informação. O processo em si representa uma cerimônia com ritos próprios; uma passagem simbolicamente mediada que acontece na consciência do indivíduo que interioriza saber pela percepção dos conteúdos dos enunciados.Tanto o emissor quanto o receptor da informação, vivem em uma ambiência privada e o entendimento da coisa é trabalhado em uma cerimônia de criação e interiorização. Só a informação explicita, inscrita e formatada transita por uma mediação pela escrita.



Uma escrita é formada pelas inscrições que uma linguagem fixou em um determinado e suporte; uma agregação que compõe um todo significante. A escrita pode estar em um formato linear ou digital. A escritura digital é externa à linguagem convencional, pois agrega outros sentidos ao entendimento e não se prende a condição de uma escrita de enunciação continua. Na escrita intertextual uma palavra pode levar a mil imagens.Convivemos, cada vez mais intensamente, com esta escrita a aberta. As possibilidades da apreensão digital vêm da sedução da viagem por espaços de narrativas linkadas; a escritura digital traz um novo modelo para a percepção pela escrita e o para imaginário pela leitura.


As bases de inscrição das narrativas foram virtualizadas. Estamos convivendo com um novo padrão de percepção da dos conteúdos e presenciando momentos fascinantes na transformação dos padrões de transmissão e entendimento das narrativas.

O deciframento, pode ainda ir de signo a signo, mais o signo se espacializou e sua agregação exige cada vez mais um adiamento da significação, pois o entendimento se dispersou por muitos espaços. Os canais físicos de transferência digital são diferentes em estrutura e velocidade e a interatuação necessária para manter em contato emissor e receptor opera na dimensão das sensações espaciais do imaginário. No espaço cibernético o significante explodiu em novas paisagens de uma imaginação conectada.


O imaginário no meio eletrônico adia o significado dos enunciados até que se percorram todos os caminhos das conexões. Palavras e sentidos têm na condição digital um caminho de significantes libertados da relação biunívoca. Uma possibilidade do imaginário de ir além de uma única representação para um signo atribuído. A concepção nunca é imediata e total em um arranjo digital, pois esta diferida pela soma do que se quer agregar ao perceber.

Como serão as pessoas de amanhã em um mundo em que a leitura e a escrita se torna se torna cada vez mais digital? Como será a mediação e a cognição que atribui conhecimento em uma ambiente de conteúdos que se comunicam potencialmente em uma realidade de convivência sem presença. Em uma realidade onde existimos metaforicamente linkados a outros e a transferência de significados incorpora um hardware, um software e um letramento específico como condição de nossa percepção.