domingo, julho 05, 2009

Anfíbios contemporâneos




Os modos de observar e viver a realidade tem variado ao longo do tempo. William Ford Gibson* que cunhou a palavra ciberespaço escreveu Neuromancer o seu primeiro livro em que introduzia novos conceitos para a época, como inteligências artificiais avançadas e um ciberespaço como sendo um lugar de comunicação que descarta a necessidade do homem físico para constituir uma troca de informação quando em relacionamento. Um espaço em que a vivência não necessita uma presença corpórea.

Podemos diferenciar esta ambiguidade como estar na terra ou no mundo. A terra é a parte sólida do globo, espaço e território da vida temporal profana e física com fundamento real seguro, sólido e incontestável. E é na força desta posição que a terra passa a ocupar um lugar no universo das realizações físicas; um lugar que converte o espaço em possibilidades de fixar, espacializar e localizar. Ao longo da história, a terra tem proporcionado aos homens os recursos para criar, viver, morrer.

O mundo não é o da realidade física como um principio regulador quando da razão aterrada na relação com outros seres. É o continuum das relações sustentadas pela técnica e sua tecnologia. O eixo, em que giram o princípio e o fim de todas as coisas sem território: "para o peito doido do homem nenhuma pátria é possível!" **

É difícil entender e observar o momento exato em que estamos inseridos, por mais incrível que ele possa ser. Existe uma proximidade alienante que nos impede de ver uma contemporaneidade. Estar e ser contemporâneo é uma relação intrincada entre nós e o tempo. Representa o momento exato que a alma fica como que suspensa entre dois estado. Todos aqueles que estão muito coincidentes com a sua época não são contemporâneos, pois não podem fitá-la nesta proximidade. Estar na contemporaneidade não é um entendimento é um estar ali com intensidade, mas sem contudo, poder perceber o exato momento em que a flor vai fenecer.

Talvez por isso não possamos ter o afastamento necessário para entender que existimos hoje em duas realidades: uma realidade objetiva onde vivemos corporeamente uma presença física e construímos todos os atos e traços de nossa aventura individual rumo ao (in)finito, em direção a um fim. Uma outra realidade virtual denota a extrapolação do concreto; de rompimento com as formas tradicionais do acontecer. O virtual sendo oposto do ao atual, carrega uma potência de ser. Nessa realidade, por suas características, vivemos sem uma presença física, não importando distancias ou superfícies. Nela podemos ser o avatar de tudo aquilo que sonhamos ser na atualidade contemporânea.

É importante saber, então, que habitamos duas realidades na mesma época. A anfibiedade que vivemos é a capacidade adquirida de habitar e interatuar em contextos e condições diferenciadas. É a anfibiedade do animal que pode viver na terra ou na água. Aterrado no viver físico ou libertado de amarras no mundo virtual. Gibson nos diz "um dos nossos erros é a distinção que fazemos entre digital e analógico e entre virtual e real. No futuro esta diferença será literalmente impossível. A distinção sobre o ciberespaço e o que não é ciberespaço será inadmissível."

Nossa anfibiedade faz nosso viver estar em dois espaços: o da realidade da existência e o da realidade potencial onde existimos metaforicamente linkados a outros e são eles que nos definem. São eles que executam a transferência do que somos para um significado decidido pelos que nos designam no mundo virtual.

No mundo virtual somos, então, definidos por quem nos olha e conosco convive ali. Eu existo virtualmente no mundos dos meus outros sem distancia espaço ou tempo definido. Minha vivência é a da conexão ou conexões e meu destino são os meus links. Virtualmente existo na translação da metáfora, na transferência das minhas narrativas para um âmbito simbólico que não é fixo, físico ou designado; ele se fundamenta num movimento sem corpo em que todas as partículas têm, só por cada instante, a mesma velocidade e se mantém em uma direção inconstante. Uma relação de separação entre dois instantes, dois lugares ou dois estados do ser.



Notas

1 - Foram usados no texto os conceitos de Ma e Utsori de Roland Barthes; 2 - William Gibson foi autor do famoso livro "Neuromancer (1984), e cunhou o termo Ciberespaço3-Usamos tema de Rafael Cippolini do blog Cippodrmo 4 - Alguns conceitos se Carneiro Leão, A Técnica e o Mundo no Pensamento da Terra -5 - ** Hoelderlin em 1795

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