quinta-feira, dezembro 17, 2009

O passar do tempo


O tempo esta passando tão depressa que parece até que o tempo tem cada vez menos tempo para passar. Este foi um mote para publicitar uma Cia. de Seguros anos atrás, mas serve para exemplificar a velocidade com que sentimos o passar do tempo nesta contemporaneidade.

A velocidade nas nossas transações correntes trazida pela internet, principalmente após a socialização da web em 1995 é certamente uma das razões para isso. A informação que, antigamente, pautava nossa vida vinha no compasso do navio ou do cavalo. O Brasil é um país de informação tardia pela sua condição de colônia. O deslocar da família real portuguesa de Lisboa para o Brasil em 1808 trouxe como apêndice a Imprensa Regia viajando em navio da frota de nome "Medusa" aquela senhora que tem cobras na cabeça. Dizem as línguas mais afiadas esta é a razão dos dotados com o escrever terem aversão a espelhos e pedras.

Na vagarosidade de 1808, o jornalista Hipólito José da Costa imprimia na Inglaterra o Jornal "Correio Brasiliense" e cada edição despachada de navio para o Brasil chegava com as últimas notícias três meses após a impressão e saída da Europa. Eram conteúdos tardios, pois, ao chegar outras já eram as temáticas do momento. No Brasil do início do século passado a informação chegava às grandes fazendas e depois era ia se adentrando ao interior no lombo de cavalos e burros.

Paul Virilio fala de velocidade da informação comparando-a com a evolução dos motores. O seu último motor e o mais veloz é o motor informático, da velocidade do tempo online, o tempo no entorno de zero. É o motor que coloca o homem em uma realidade do agir digital. A informação online modifica toda a afinidade com o real e permite vivenciar uma realidade potencial: da convivência sem presença física. Consente, também, uma velocidade que interatua em todas as condições de uma nova relação da informação, as trocas e o mercado.


Tudo isso nos traz a impressão de o tempo estar passando mais depressa que usava passar. Então, o físico alemão, W.O.Schumann constatou em 1952 que a Terra é cercada por um campo eletromagnético poderoso que se forma entre o solo e a parte inferior da ionosfera, cerca de 100 km acima de nós. Esse campo possui uma ressonância mais ou menos constante, da ordem de 7,83 pulsações por segundo. Funciona como uma espécie de marca-passo, responsável pelo equilíbrio da biosfera, condição comum de todas as formas de vida.

Por milhares de anos as batidas do coração da Terra tinham essa freqüência e a vida se desenrolava em relativo equilíbrio. Ocorre que a partir de anos 1980, e de forma mais acentuada a partir de 1990 com a Internet, a freqüência passou de 7,83 para 11 e para 13 hertz por segundo. E o passar do dia poderia ter então 16 horas ao contrario das 24 habituais. Era o que teorizava a sua Ressonância Schumann. Apesar disso os relógios atômicos continuam a marcar vinte e quatro horas para cada dia e os cientistas não endossam com vigor os achados da ressonância em suas condições práticas.

A sensação de um tempo indo mais rápido, contudo existe, e pode ser atribuída a uma forte indução ao consumo feito pelos meios massivos de comunicação que procuram pautar nosso cotidiano no futuro para seu próprio benefício de vendas. Quanto mais vende o comércio mais encomendas têm a indústria e todos têm mais dinheiro para atribuir às verbas publicitárias dos meios de comunicação. Na agenda do consumo programado vivemos sempre no futuro.

Assim, por um interesse mútuo dos meios, anúncios, consumo somos incentivados a viver sempre além do presente. Em outubro somos jogados para viver dezembro num jingobels de compras natalinas, em janeiro ante vivemos a alegria do carnaval de fevereiro; em março os chocolates da páscoa mais além, depois o dia das mães em maio, dos namorados em junho, dos pais em agosto, das crianças em outubro e já esta na hora de agendar o futuro natal de novo. Apressamos a chegada do futuro embora o tempo e as ressonâncias nada tenham a ver com isso.

Para os que não têm esta opção de consumo exacerbado, a parte mais desprovida da população, o tempo passa inexoravelmente a cada hora na aflição de um dia de 24 horas.


http://es.wikipedia.org/wiki/Resonancia_Schumann

domingo, dezembro 06, 2009

O descompasso entre a mente e o corpo


John Desmond Bernal foi um dos mais eminentes cientistas da sua geração e uma importante figura política - o principal porta-voz de uma ciência para todos, em sua época, no Reino Unido. Um fato até então pouco explorado da sua carreira foi o seu interesse na informação em ciência. Os arquivos de Bernal em Cambridge mostram a sua participação no desenvolvimento da área de informação, sua organização e sua documentação. Foi figura de proa para estabelecer um Instituto de Informação Científica no Reino Unido e participou na fundação do grupo que liderou com Jason Farradane a introdução da ciência da informação como uma nova disciplina em 1948. Nesta data foi realizada em Londres a Royal Society Scientific Information Conference, um dos marcos da criação da nova área, quando cientistas de todo o mundo e de quase todos os campos foram a Londres com propostas para resolver os problemas de acesso e organização da explosão de informação pós guerra.

Bernal escreveu em 1929 um longo texto:  The World, the Flesh and the Devil, “uma investigação sobre os três inimigos da alma racional” com o subtítulo do documento tirado da ladainha de Santo Antonio Eremita: “das ilusões do mundo, da carne e do demônio”, dizia o Santo eremita e a congregação respondia “livrai-nos, Senhor.”

O físico Bernal introduzia com ser artigo, do começo do século passado, uma reflexão que será constante neste nova época da vivência digital: como harmonizar uma mente cada vez mais forte, iluminada e criativa com a fragilidade de um corpo que se esvai com o passar dos anos. A mente, pelas facilidades contemporâneas de um imaginário mais aberto, está ampliada em sua agudeza e na percepção ao lidar com a visualização do mundo. O corpo apesar da ajuda das próteses supervenientes  biologicamente decai.

É uma ilusão estar no mundo e não se aperceber este descompasso do viver com um corpo antigo e usado, mas com uma mente nova e cada vez mais fulgurante. Foi procurando reforçar um refúgio corporal forte que Mary Shelley em 1816, com sua escrita, utilizou de um físico forte e assustador, para lidar com o preconceito. A sua história do doutor Victor Frankenstein serviu para defendê-la da exclusão das mulheres. Ela fala pela voz do outro corpo: "Terei de respeitar o homem quando ele tudo me despreza?" "Por toda parte vejo felicidade da qual estou irremediavelmente excluído".

No mito de Prometeu o Titã está corporalmente preso a um Monte, castigado pela sua ingerência em gerar um novo ser pensante. Conta a lenda que o Céu e Terra já estavam criados quando Prometeu chegou à terra. Com argila e água fez um corpo de homem à semelhança dos deuses. Tirou das almas dos animais características boas e más animando a criatura. Atena, deusa da sabedoria, insuflou o espírito com sopro divino. Mas toda esta feitura irritou Zeus que prendeu Prometeu ao monte Cáucaso. Quandor libertado, mas tendo que cumprir sua sorte, passou a usar um anel com uma pedra retirada do Monte. Seu corpo estava para sempre preso àquela montanha. Mas a mente estava livre.

A natureza humana vem pensando esta prisão do corpo em contraposição a liberdade da mente há algum tempo; uma desarmonia, agravada na era digital, que mostra o homem preso a seu físico temporal, mas seu avatar vivendo sem idade pela não não presença física.

O padre Teilhard de Chardin escreve em 1950 que a evolução da humanidade caminhava para um aumento inevitável de complexidade e sensibilidade da mente humana. A sua noosfera pode ser vista como a esfera do pensamento humano e seria a terceira etapa no desenvolvimento da Terra vindo depois da biosfera que seria o contexto da vida biológica.

Segundo, padre Chardin, existe, a atmosfera, a geosfera e biosfera e depois um mundo ou a esfera das ideias com seus produtos culturais, o espírito, linguagens, as teorias e o conhecimentos. A noosfera esquece a condição de envelhecimento biológico ao se aproximar da ideia de ciberespaço, um espaço que prescinde do corpo físico estar  para realizar os atos de  convivência. No ciberespaço para constituir as obras e feitos de interação é dada ênfase à ação da imaginação, a criação de imagens em comunhão com os demais conviventes. Neste espaço privilegiado entra-se com a mente e as ideias deixando o corpo do lado de fora da interface.O nosso avatar sem idade realiza tudo o que sonhamos ser.

A crescente complexidade da existência do homem e sua capacidade mental torna necessário lidar, também, com as complicações mecânicas de uma complexa organização sensorial e motor. Para as partes de um corpo vivido estão sendo dadas funções cada vez mais modernas independente de sua condição de uso permanecer a mesma.  A mente humana deveria evoluir no compasso do corpo humano. Mas existe este descompasso que  tem aumentado com o acesso a informação. Estas ligações intrincadas entre mente e corpo indicam que os atributos fisiológicos levarão a novas consequências psicológicas molestando o todo do organismo. É por conta desse delicado equilíbrio entre os fatores orgânicos e as articulações do pensamento que o futuro vai estar cheio de pontos perigosos e armadilhas de percurso.

Um deles será o impulsos da sensualidade exacerbada por todas as mídias, sugerindo um corpo aprimorado como forma de encantar as relações com o outro; o que nem sempre é possível, quando corpo decai com o passar do tempo. A solução seria  a sublimação como processo consciente desviando a energia para novos objetivos ligados ao intelecto.  Uma parte desta sensualidade reprimida poderia levar à criação de artefatos estéticos para uma realização pela arte. Arte aqui entendida em seu sentido amplo, como a capacidade que tem o ser humano de colocar em prática suas ideias valendo-se da faculdade de dominar fisicamente a matéria e as os chamados por realização sensorial. Poderia, assim, ser atenuada a impulsividade reprimida do invólucro que não responda mais aos poderosos anseios de um imaginário ampliado de opções.

Algum tipo de equilíbrio terá de ser encontrado entre a ideação e seu relacionamento corporal. Qual será o futuro do sentimento no homem, por exemplo? Será mais emocional ou mais racional em um mundo cada vez mais mecanizado nas relações de convivência privada e no trabalho em convivência. No trabalho o indivíduo racional tem de satisfazer condições de vigor para manter o equilíbrio com a objetividade motora de seu grupo profissional; só isto lhe permite  continuar ali sem ser excluído ou ter que apagar como o replicante de Blade Runner. (2)

Como a emoção irá atuar neste descompasso. A condição  emocional estará sob o domínio de um estado de vigília constante. Uma parca vivência será a dos seres humanos em estado de supervisão permanente de seus sentimentos para poder permanecer na convivência incorpórea das redes de coexistência digital.

Um comportamento do organismo mecanizado por  próteses facilitadoras será um mistério a ser revelado no provável futuro que está cada vez menor que o passado.; e na medida que aumenta o saber acumulado o corpo tenderá a querer ousar, porque sabendo mais irá querer ousar mais e em tal ousando exporá a sua fragilidade de invólucro ao risco de destruição. Realizar o imaginário em seus todos os seus aspectos é uma vocação da mente, mas também é um anseio do corpo e na bifurcação destes caminhos está um conflito impensável e irreversível. Viver com um corpo 1.0 e com uma mente 2.0 é uma armadilha engatilhada.

Aldo de A Barreto


1 Johann Goethe escreveu um pequeno poema de poucas estrofes sobre a lenda de Prometeu, que aqui se reporta a Zeus:

"Por acaso imaginaste, num delírio,
que eu iria odiar a vida e retirar-me para o ermo,
por alguns dos meus sonhos se haverem frustrado?
Pois não: aqui me tens
e homens farei segundo minha própria imagem:
homens que logo serão meus iguais
que irão padecer e chorar, gozar e sofrer
e, mesmo que forem parias,
não se renderão a ti como eu fiz"

2 Veja a bela despedida do replicante ao ter que abandonar o seu corpo: "Eu vi coisas que vocês nunca teriam imaginado" [(I've seen things, from Blade Runner)] em
http://www.youtube.com/embed/EOSIj_AxxX0?feature=player_detailpage" frameborder="0" allowfullscreen>

3 John Desmond Bernal escreveu "The World, the Flesh  and the Devil" em 1929 e o link é  http://www.santafe.edu/~shalizi/Bernal/

4 "O Lugar do Homem na Natureza", de Pierre Teilhard de Chardin é de 1997, editado pelo Instituto Piaget

5 a imagem acima é de Tomasz Alen Kopera

sábado, novembro 28, 2009

Luzes que se apagam e nada mais



Vidas que se acabam a sorrir
Luzes que se apagam, nada mais
e o que se foi não voltará jamais...



A diferença entre falar e escrever é que a percepção do significado das palavras ouvidas é diferente de sua visualização na impressão em conjunto. O som não é apenas ouvido, mas também sentido por meio da pele que ajuda na compreensão de seu significado. Apesar disso um sistema de escrita é muito mais complexo do que o idioma falado, pois representa um conjunto de signos convencionados que concedem a possibilidade daquela escrita.

Um sistema de escrita, ou simplesmente uma escrita, é um tipo de comunicação por símbolos chamados de caracteres ou grafemas, usados para registrar visualmente uma língua falada, com finalidades múltiplas, inclusive a de comunicação; a escrita permite registrar mensagens para recuperação futura e admite a formação de uma memória domiciliada. Nesse sentido a escrita é a representação gráfica e convencionada do idioma. É a interface da linguagem. Tanto o idioma como a escrita são mutáveis, mas em dias de trocas estruturais intensas no linguagear da Internet o sistema da escrita pode ter diferentes representações e convenções que não se conectam mais ao todo da base fixa.

Os habitantes de uma nação estabelecem sua comunicação por meio de sua língua. Toda comunidade só existe com um idioma, que atualmente somam cerca de quase sete mil línguas articuladas. As mais faladas sendo: hindu, espanhol, inglês, árabe, português. bengali, russo e japonês. São idiomas falados por mais de cem milhões de pessoas.

Já os sistemas de escrita vigentes são cerca de 400 e destes 127 são de raiz latina. As outras escritas são de raiz cirílica, árabe, indiana, chinesa, japonesa grega e mais outras 25 origens.

Uma forma devastadora de violência é a que se pratica passivamente ao não se preservar os idiomas e as escritas ao se aceitar uma monogamia cultural. Despir as minorias da sua própria identidade falante é promover o seu desaparecimento. A UNESCO elaborou um livro das línguas ameaçadas, reflexo da crescente preocupação que o problema está despertando. Os linguistas acreditam que das 6800 línguas vivas podem desaparecer entre 3400 e 6100, antes de 2100, o que supera a estatística de uma língua extinta a cada duas semanas. A melhor forma de referir esta realidade não é dizendo que as línguas foram assassinadas. Seis mil idiomas acabados fecharão também muitas escritas.

Das mais de três mil línguas indígenas que existiam Brasil na época dos colonizadores, a metade na regiões amazônicas hoje restam cerca de 150 línguas indígenas na região. A condição oral e escrita de uma língua é essencial para classificar e relacionar a informação em uma dada cultura, assim como, determinar a maneira de como seus habitantes percebem o mundo e interagem com ele.

Ao se encerrar uma língua perde-se para sempre o saber, os hábitos, o conhecimento de uma cultura. Apagam as condições espirituais, os processos e instrumentos de uma nação; as lendas e mitos de um povo; toda a sabedoria que esta nação teria guardado sobre a natureza e sua interação com ela. Fecha-se uma porta sem abrir qualquer janela. Estas são luzes que se apagam para sempre e jamais renascerão.

O relato de casos peculiares de fechamento de uma língua indígena, vale contar:

O tempo era a meados do século XVI e por volta de 1554 no Brasil das Capitanias, quando surgiu um desentendimento entre Álvaro da Costa, o filho do governador Geral e Dom Pero Sardinha o bispo designado pela Coroa. O bispo criticou publicamente o comportamento livre do jovem, bem como a omissão de seu pai Duarte da Costa, o governador geral.

Apesar de o bispo ter grande influência por ter sido colega de São Inácio de Loyola e professor de teologia nas Universidades de Paris e Salamanca o poder político falou mais forte. Dom João III, em Portugal, ao saber do problema, chamou o bispo de volta para se explicar. Dom Sardinha reuniu, então, um grupo devoto para levar a ver o Rei, explicar os acontecimentos, e pedir para acabar com os pecados permitidos do lado de cá do Equador. Mas Portugal sabia bem o que acontecia por aqui e achava que a linha que divide os hemisférios separasse também a virtude do vício.

Todavia, para felicidade de Duarte da Costa de seu filho e do pecado o navio em que o bispo Sardinha se encontrava naufragou no litoral de Alagoas, sendo o bispo e todos seus acompanhantes devorados pelos índios Caetés. Era 16 de junho de 1556.

Os comensais do bispo viviam numa população de 75 mil índios desde a ilha de Itamaracá até as margens do rio São Francisco. Habitavam o seu país com sua língua, seus ritos e cultura.

Depois de “consumir” o bispo os índios foram considerados "inimigos da civilização" por uma Carta Régia de 1537 que consagrava a ordem para sua escravização. Em 1562, Mem de Sá, o novo governador, determinou que os índios da nação fossem aprisionados sem exceção. E a nação Caeté foi extinta. Apagaram toda uma cultura em nome da civilização.

Outra caso nos chega através de Friedrich Alexander von Humboldt, naturalista alemão, explorador, filosofo e lingüista. Em 1804, o explorador Humboldt voltou de sua expedição de cinco anos a América Central e do Sul, trazendo consigo uma transcrição de 40 palavras ditas por um papagaio que se acreditava ser o último falante de uma língua extinta.

Sua expedição foi na região do rio Orenoco, na Amazônia venezuelana, em região perto dos índios Atures inimigos dos índios Maipures “Nada pode ser mais grandioso que esta região. Uma terra de fábulas, de visões e de fadas”, escreveu o explorador.

Apesar disso, em determinado momento da viagem, chegaram à aldeia dos índios Atures e descobriram que ela havia sido incendiada até os seus alicerces pelos agressivos Maipures; os restos dos Atures já começavam a ser cobertos pela mata da selva. Buscaram e buscaram, mas não havia sobrevivente algum.

Só encontraram, conta a história, um aturdido papagaio de cores brilhantes que vivia entre as ruínas e repetia uma e outra vez longos discursos numa língua incompreensível. Era a língua dos Atures, mas não restava mais ninguém que a entendesse.

O silencio do conhecimento é o silêncio da informação escondida que pode ser uma terrível desarmonia entre uma linguagem e as suas escritas. Um silêncio da linguagem diante dos ruídos de uma escrita que se reinventa multiplicada nos formatos e nos diferentes contornos de convivência escrita e falada.

Aldo de A Barreto



Language statistics & facts
http://www.vistawide.com/languages/language_statistics.htm

A nova forma de violência
http://mc.jurispro.net/contrato.htm

Sistemas de linguagem do mundo
http://www.omniglot.com/writing/definition.htm

De volta ao Orinoco, seguindo von Humboldt
http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=14&id=132

domingo, novembro 22, 2009

OS QUATRO MOMENTOS DE UM PROCESSO DE INOVAÇÃO





O tema inovação tem tido vasto uso, pois traz a projetos, conferências e textos a sedução do novo, coisa apreciada em tempos em que os originais são poucos e muito são as cópias.

Ao falar de inovação seria conveniente lembrar que esta palavra traz um sentido de ação em um processo completo que vai do surgimento de um fato ou idéia até a aceitação deste por uma comunidade. Este grupo de pessoas é que vai decidir se aceita ou rejeita uma coisa nova que pode estar substituindo um similar já existente. Ao aceitar o novo existe uma crença compartilhada de que isto trará um acréscimo ao bem estar de todos. O processo em si tem quatro etapas principais.

Ao momento inicial chamamos de antecedentes contextuais remotos. Podem representar um conhecimento que foi sendo formado no tempo para se transformar em inovação. Um mecanismo forjado para servir aqui, mas que se completou para distinta intenção e seguiu outro caminho. As conjunções remotas moldam o mundo já vivido com a perspectiva da sociedade quando em situações concretas de vida.

O segundo momento no processo de inovação seriam as configurações contextuais imediatas, coisas como: infraestrutura educacional, estrutura de pesquisa e desenvolvimento instituída, estrutura existente para engenheirar coisas, um sistema de informação operacional e uma vontade política que coincida com a vontade econômica.

O terceiro momento seria o de assimilação do conhecimento novo pelos habitantes de um determinado espaço. O quarto momento, o mais importante, é o momento de decisão: aceitação ou rejeição. Quando da aceitação é, também, o momento de adoção da inovação.

Houve uma aquisição de conhecimento e um julgamento de valor nos momentos anteriores. A adoção encaminha a implantação e o uso da inovação; uma aceitação para adoção implica na criação de conhecimento que permite reinovar o novo adaptando-o a condições contextuais harmoniosas.

É necessário lembrar que inovação não é sinônimo de nova tecnologia. A nova tecnologia representa uma sucessão de novos eventos coesos e em conjunção com técnicas e processos com uma intenção de transformação. Quando comparada a inovação é uma configuração estática. Já a inovação é a aceitação com assimilação de conhecimento e ações de implantação da tecnologia pelos habitantes de um determinado espaço social. Mostra uma condição dinâmica.

Neste quadro é a informação livre que melhora o homem e sua realidade. Se a introdução da novidade não abrange um espaço, por qualquer razão, que não seja o livre arbítrio de seus habitantes, ela não acontece. De nada adianta uma luz se ela não brilha ali. Só em convivência se decide e aceita a introdução da novidade.

Disponibilizar o acesso á informação para um conhecimento em rede disponível para todos têm sido o sonho de grande número de pessoas e seus instrumentos. Da prisão dos conteúdos nos muros medievais dos mosteiros copistas até realidade da web muitas pessoas e mecanismos se agregaram para este fim. A intenção de rede vem de muito longe e foi por vezes governada pelo imponderável.

Assim, Francis Bacon em 1579 intuiu que as inovações trazidas para a criptografia dos conteúdos seria o futuro das máquinas inteligentes do século XX. Em seus escritos a palavra informação expressava “intelligence”. Ele propôs a formação de times de cientistas, os doze “Mercadores da Luz” com a missão de percorrer o mundo a procura de livros de resumo em ciência e tecnologia e modelo de protótipos. As inovações propostas por Bacon se materializaram, em parte, em 1662 com a ajuda da Royal Society de Londres, com fomento dos comerciantes locais.

Gottfried Leibnitz expondo em 1703 o mecanismo de redução dos números reais a 0 e 1 propõe uma máquina de calcular que reunia as características essenciais do calculo binário, o fundamento da atual arquitetura computacional, mas a máquina não foi adotada. As condições econômicas e as tecnologias estabelecidas a rejeitaram. A mão-de-obra envolvida em sua construção seria maior que o trabalho economizado com sua utilização e manutenção. Naquele momento complexidade e incerteza eram palavras sinônimas


Em 1819, Charles Babbage usando os conceitos de divisão do trabalho de Adam Smith (1776) constrói o protótipo que possibilitará uma inovação para troca de informação em rede que desembocaria mais tarde na web de Timothy Bernes-Lee em 1991. Cerca de 500 anos em que uma inovação foi se construindo com diferentes intenções. O objetivo de Babbage era ajudar as grandes companhias de seguro em seus cálculos atuariais para um melhor faturamento. Na sua distribuição a informação contou primeiro com a agilização criada pelo telégrafo elétrico em 1837 cuja intenção inicial ao distribuir a informação era servir ao aparato de guerra

O monge agostiniano Gregor Mendell em 1865 formula e apresenta as suas idéias em dois encontros da Sociedade de História Natural de Brno, na atual República Checa, eram as suas leis da genética, que regem a transmissão dos caracteres hereditários. As suas descobertas permaneceram praticamente ignoradas até o início do século XX quando foram citadas e publicadas.

Estas leis da genética que possibilitaram a compreensão e análise do DNA, por motivos imponderáveis, ficaram ocultas atrasando talvez em quase cinquenta anos o tratamento e a cura de tantas aflições. Esta barreira à inovação foi, também, um problema de organização da informação e tão forte foi esta sensação em Vannevar Bush que este quis elaborar uma máquina para lidar com o controle dos documentos. A máquina Memex nunca foi produzida, mas o seu famoso artigo escrito em 1945 deu início a uma nova ciência para a informação. Uma ciência que viria a estudar as tecnologias e as redes de distribuição do saber. Um encadeamento novelístico de séculos para gerar a grande inovação.

O processo de inovação agrega para a sua efetivação diversas intenções. De todas a mais admirável é melhoria do status do homem e seu contexto. E tudo isso acontece, pois nada envelhece mais rápido que o novo.


Referências:

História da sociedade da informação, Armand Mattelart, Loyola, 2006

Francis Bcon
http://en.wikipedia.org/wiki/New_Atlantis

Gottfried Leibniz
http://en.wikipedia.org/wiki/Gottfried_Leibniz#Information_technology

Charles Babbage
http://tinyurl.com/yj8rmkb

Timothy "Tim" Berners-Lee
http://es.wikipedia.org/wiki/Tim_Berners-Lee

O início do telegrafo elétrico
http://tinyurl.com/yj8rmkb

Gregor Mendell
http://es.wikipedia.org/wiki/Gregor_Mendel

Vannevar Bush
http://es.wikipedia.org/wiki/Vannevar_Bush

As We May Think (o efeito Mendel/Bush)
http://www.theatlantic.com/doc/194507/bush

sábado, novembro 07, 2009

As propostas para um milênio que já começou


Seis propostas para o próximo milênio o último livro de Ítalo Calvino resultou de uma serie de seis aulas, um ciclo de seis conferências que foi realizada durante o ano acadêmico de 1985/86 na Universidade de Harvard nos Estados Unidos. Nelas o autor apresenta propostas para a qualidade e fluidez da escrita no futuro. Quando partiu para as palestras nos EUA Calvino já tinha cinco conferências preparadas. As suas propostas indicam o pensar de uma nova narrativa textual que deveria ser: leve, rápida, exata, visível e múltipla; O escritor morreu em Setembro de 1985 e não escreveu a sexta proposta que seria a consistência.

Pensando nas propostas somos levados, inicialmente, ao texto de Paul Valéry que dizia que uma narrativa deveria ter leveza do pensamento e ser leve como um pássaro, mas não como a pluma. Avoante como Mercurio o mensageiro dos deuses. A escrita flui fácil, mas não é vaga ou aleatória. A rapidez fala da necessidade de uma trama sem os excessos de detalhismos e de divagação que protelam a conclusão. A precisão evoca a necessidade de usar imagens nítidas na composição do texto, deixando para a interpretação do leitor as viagens do imaginário.

A visibilidade fornece a composição visiva do espaço em que se processa a história; uma “mis-em-scéne” do lugar físico para os olhos da imaginação. A multiplicidade deve permitir ao leitor sua interferência na apreensão do significado pelo o emaranhado de suas muitas cognições prévias.

A última proposta que seria a consistência não consta do livro de Calvino. Segundo sua mulher e editora a consistência e trazia referências ao livro “Bartebly, o Escrivão” de Herman Melville. O tal escrivão cartorial por ofício, que certo dia nada mais escreveu e para sempre. Talvez a sua decisão tenha sido influenciada pela inconsistência de sua escritura, de tipo altamente fomatado, sem encadeamento e sem uma sequência adequada para uma apreensão da realidade sonhada. Talvez Calvino quisesse falar sobre o excesso de consistencia que um formato rígido demanda.

Uma preocupação percorre todo o texto do autor no destaque colocado em duas imagens para simbolizar a geração da informação e a sua absorção no espaço dos receptores. O cristal facetado e exato em sua capacidade de refratar a luz é a representação da invariância e da regularidade das escrituras modeladas do texto. Uma imagem que se adapta à narrativa estruturada, onde a ciência da informação tem se inspirado na sua ideologia de centralidade e arranjo homogêneo dos conteúdos juntados em nome da ordem e do controle.

Contudo,ao ser refletida em múltiplas direções a narrativa cristalizada se altera para ser chama que é a imagem da inconstância e da indefinição associada a cada percepção na sua incessante agitação, manipulando sensibilidades no estoques da consciência ao apreender a informação que quer ser conhecimento.

O cristal é a invariância do formato linear que vai de signo a signo como um folhetim que quer se contar ancorado a uma forma única. Calvino não pode viver a época dos formatos digitais abertos, mas as suas propostas para mudar traços lineares estão adequadas as partículas entrelaçadas que viajam em ondas de pensamento e do hipertexto.

A metáfora do cristal e da chama ilustra os ritos dos fluxos das mensagens no tempo anterior ao conhecimento. A informação tem que deixar a beleza do cristal, o tesouro da forma, para consumir-se na individualidade da chama de cada um. A interiorização acontece em uma realidade multifacetada e formada por micronações diferenciadas e isoladas por sua singularidade.

Os habitantes destas comunidades sociais tem condições alteradas de: instrução, renda, interpretação dos códigos formais, tipo de acesso à informação e aos diferentes canais de transferência. Os espaços sociais diferenciados não constituem uma simples justaposição de singularidades, ao contrário são espaços com forte sentimento coletivo, um corpo de costumes, tradições, sentimentos e atitudes. Concentram um conjunto de saberes, regras, normas, proibições e permissões que são conservadas e transferidas através de sensações próprias.

A comunicação eletrônica veio, definitivamente, libertar o texto e o seu conteúdo da ideologia dominada pelo formato. O instrumental tecnológico que possibilita esta nova interação é restritivo em termos econômicos e de aprendizado socialmente exclusivo. Contudo, isto não vai anular as condições que colocam a escrita digital como uma nova e mais eficiente maneira de se publicitar a mensagem de forma mais livre e economicamente mais viável de se conseguir, em curto tempo, maior inclusão social para lidar com os significados.

Aldo Barreto
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Fonte: Grande parte deste texto foi baseada no livro “Seis propostas para o próximo milênio”, São Paulo, Cia. da Letras, 1990 de Ítalo Calvino. Em dezembro 1999, há dez anos, publicamos Os Destinos da Ciência da Informação: entre o cristal e a chama artigo que moveu esta mensagem,contudo o artigo tem maior amplitude temática e que está em:
http://aldoibct.bighost.com.br/cristalChama.pdf

quarta-feira, novembro 04, 2009

A solidão social e a solidão fundamental



Um propósito da ciência da informação é o de conhecer e fazer acontecer o sutil fenômeno de percepção da informação pela consciência; percepção que, conduz ao conhecimento da coisa percebida.

A essência do fenômeno da informação é a sua intencionalidade. Uma mensagem de informação é direcionada, arbitrária e contingente para atingir o seu destino; cria tensão ao passar do mundo do gerador ao mundo do receptor, o lugar do conhecimento.

Nos momentos de passagem a essência da informação tem uma particularidade de solidão fundamental que existe em todo ser humano pensante, o que acontece quando um pensamento criador se faz informação e esta informação se torna conhecimento para o receptor. Isto provoca uma nova relação do homem com o seu ambiente e com sua vida em relação aos outros. Esta solidão radical está inserida na privacidade desejável para cada ser humano. A solidão é fundamental pelo momento de quietude que exige para criar ou assimilar a informação, mas não se relaciona com a solidão social, que é estar só, afastado e desligado da mundanidade do mundo.

Toda enunciação, mesmo quando na forma imobilizada pela escrita é uma resposta a alguma coisa. Um elo da cadeia dos atos de fala. Todo dialogo na solidão prolonga aqueles que o precederam e trava um debate privado. É uma conversação com enunciação monológica pela privacidade requerida e é produzida para ser compreendida e orientada no contexto da vida ou da realidade daquele indivíduo.

Em um processo de comunicação, a transferência de uma mensagem, é um fato bastante acessível ao entendimento. Os eventos são claros: as pessoas falam e escrevem se comunicam entre si. Todo ato de conhecimento está associado ao conteúdo significante de uma estrutura de informação e representa uma cerimônia com ritos próprios; uma passagem simbolicamente mediada por uma condição desta solidão vital.

Para o lingüista a comunicação é uma cadeia de eventos quase evidente. Mas para a investigação existencial é um enigma e até mesmo um milagre. O estar junto, como condição existencial ultrapassa essa condição da solidão fundamental, um isolamento expereinciado e necessário para uma pessoa no processo de produzir ou interiorizar uma experiência vivenciada em um ato privado. Este estar só nada tem a ver com a instância do diálogo social. O dialogo é um evento posterior que liga locutor e ouvinte. [1]

Mas o comportamento na solidão basal que pode levar ao conhecimento requer uma condição de solidão social para existir a reflexão. Uma possibilidade de se estar sozinho para deixar fluir o pensamento e suas interações de memória e da percepção são necessárias para interiorizar a falação da informação.

Esta condição de estar socialmente só vária em diferentes ambientes culturais, mas no contexto de países latinos do sul é quase proibido ficar sozinho, “somos vigiados por familiares, cujo princípio básico é evitar a solidão social de seus membros. O isolamento ou a individualidade é percebido como sintoma de que algo não está bem, algo que pode ser o primeiro sinal de uma alienação”. A “recusa de relacionar-se socialmente pode ser considerada uma anomalia, uma antipatia ou uma anormalidade.” [2 ]

A web social de vivência pela não presença veio ajudar a contornar este mal estar social de uma presença física compartilhada e obrigatória para confirmar uma condição intelectual saudável.

Estamos convivendo na web com um novo padrão de participação social. Estamos vivendo momentos fascinantes ao presenciar uma transformação nos padrões de entendimento entre as pessoas que vai modificar muito a situação ao seu redor. Você pode estar sozinho em um seu espaço de isolamento e individualização, mas conectado ao mundo, tendo ainda preservada a sua condição de solidão fundamental para interiorização de conhecimento.

O contato digital como a magia opera na dimensão das sensações e das percepções do imaginário. A imaginação da coisa e sua representação foram modificadas no ciberespaço para adaptar-se a esta solidão dissimulada. A coisa imaginada dispersou-se em um fluxo continuo de significados desfamiliarizados de signos convencionais. No espaço de solidão conjunta formam-se novas paisagens de um imaginário liberado.

A convivência digital possibilitando acesso a múltiplos espaços de pensamento amplia o imaginário. O receptor afronta a solidão digital adicionado por um terremoto de opções para seu imaginário e daí para conduzir em isolamento o seu caminho de percepção e assimilação.
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[1} Paul Ricoeur – Teoria da Interpretação, Edições 70
[2] Fragmentos do texto de Roberto Da Matta, Ficar sozinho no Brasil, publicado no Caderno Opinião do jornal O Globo de 04/11/2009. Edição impressa

terça-feira, outubro 27, 2009

Distanciamento e proximidade


Se a dignidade do homem está no pensamento, então, vamos todos nos esforçar para pensar bem e entender o mundo que nos cerca em nosso tempo. [1]

É difícil, contudo, entender um momento de transição quando o estamos vivendo, quando uma nova concepção de tempo leva-nos necessariamente para um outro conceito de espaço e de velocidade. No presente atual a aceleração predomina e o espaço se fecha alterando o próprio conceito de percorrer o caminho. Nossa corporeidade é cada vez mais virtual marcado por uma ausência existencial no lidar com o outro.

Observar o momento exato em que estamos inseridos, por mais incrível que este possa ser nos coloca em uma condição alienante pela proximidade que nos impede de ver a contemporaneidade. Ser contemporâneo traz uma relação intrincada com o tempo. Estar atual representa o momento exato em que o pensamento fica como que suspenso entre dois estados, mesmo quando queremos pensar bem.

Nietzsche situa a atualidade, a contemporaneidade como uma desconexão. Pertence realmente ao seu tempo, é contemporâneo aquele que não coincide perfeitamente com o tempo, nem se adéqua as suas pretensões e é nesse sentido, inatual. Mas, justamente a partir desse afastamento é mais capaz o que os outros de perceber e de apreender o seu tempo.

A contemporaneidade traz uma relação de aderência e distância do tempo. Os que coincidem de um modo excessivamente absoluto com a época, os que concordam muito com ela, não são contemporâneos, porque não conseguem vê-la, não podem manter seu olhar fixo nela.

Talvez por isso não possamos ter o afastamento necessário para entender que existimos hoje em duas realidades: uma realidade objetiva com a presença física e outra virtual com a extrapolação do concreto e oposto ao atual, pois carrega só uma potência de ser.

Nessa realidade, por suas características, vivemos sem uma presença física, sem distancias ou superfícies. Nela podemos ser o avatar de tudo aquilo que sonhamos ser e...dizer. Daí vale dar uma olhada no livro, com pouco mais de 80 páginas que se aproxima do assunto: “Do broadcast ao socialcast”, organizado pela Bites e disponível gratuitamente para download com licença Creative Commons.[3] O livro contém 14 artigos escritos por observadores próximos das transformações contemporâneas.


Fontes

[1] "Pensées" de Blaise Pascal, "All the dignity of man consists in thought"
publicado póstuma de 1660.

[2] Friedrich Nietzsche, "Considerações Intempestivas"

[3] para fazer o download gratuito do livro vá até:
http://www.4shared.com/file/140483420/cbbfd6ce/Do_Broadcast_ao_Socialcast.html

domingo, outubro 18, 2009

Eu sou o espetáculo





Todo homem se desenha pelas escolhas que vai fazendo ao longo de sua vida. Nenhum objetivo importante é alcançado sem alguma luta, sem algum conflito consigo mesmo e com os outros. A natureza humana é contraditória e tão forte é a contenda do ser que transcende as condições de convivência do homem na terra.

Vivemos em uma articulação de conflitos e somos contraditórios, não conseguimos viver sem disputas comunicacionais quando interagimos. Minoramos esta discórdia fundamental quando no lidar em uma linguagem aberta ou um entendimento corpo a corpo. Aqui o conhecimento do outro e o que dele se diz induz a maior ou menor credibilidade e estabelece um estatuto do emissor, onde a presença do sujeito que enuncia o discurso pode marcar as expectativas que provoca no receptor.

Ao enunciar atos de informação, de forma oral ou escrita, transferimos fatos e idéias esperando convencer nossos espectadores privilegiados que irão julgar e acolher nossos feitos, ditos ou escritos e repassar esta apreciação ao longo do tempo.

O que falamos e escrevemos é para registro junto a nossas testemunhas. Nossa vida ativa acontece em uma condição testemunhal. Todos querem participação e visibilidade quando produzem enunciados, mas muitos não querem a exposição e o julgamento que disso resulta. No mundo da visibilidade nossa atuação se relaciona a esta condição de convencer e não decepcionar as testemunhas que confirmam o nosso atuar com marcos no caminho de nossa aventura existencial.

Cada um de nos tem várias e diferentes testemunhas: a família, os amigos, os alunos, leitores e os seus pares nas diversas comunidades de convivência funcional. Se não lidarmos bem com a publicidade das trocas de informação a cercearemos pelo temor do julgamento destes espectadores privilegiados. Há um recolhimento ao silencio e a quietude.

A informação não existe sem testemunhas e a memória  que se forma depende desta validação. Os estoques de memória existem, enquanto existirem as testemunhas e as testemunhas das testemunhas do que lá se encontra. A nossa escrita cria, assim, um domicílio documental de memória ao qual podemos sempre recorrer regressando para uma acolhida de atestação. As nossas narrativas mantêm nesta memória iluminada no presente.

Conviver com uma exibição face a face de nossas reflexões é intrincado quando em um existir presencial de uma realidade vivida entre objetos e outros habitantes. Mas, com a entrada da realidade virtual em nossa convivência cotidiana, cada vez mais vivemos a condição de uma existência sem a necessidade de uma presença física. Ficamos alforriados do entreolhar, do gesto, o toque e a sensibilidade de uma linguagem do corpo. Podemos lançar mensagens aos nossos distantes escondidos pela máscara da não presença.

Contudo, isto traz a possibilidade de um radicalismo do viver virtual, que leva a desentendimentos e algumas batalhas comunicacionais são formatadas pela ausência da presença absoluta, pela a carência do contato físico. Os nativos da Internet são os mais propensos a sofrer da Síndrome da comunicação catódica [1]. Alguns nasceram na virtualidade e conviveram com ela, com seus games e gadgets de mediação corporal. São adolescentes eletrônicos, em todas as idades, que se assombram com o vivenciar tête-à-tête, com a compleição física, as falas dissonantes, as emanações voláteis do corpo. Em crise incomunicativa muitos não usam sequer o telefone para mediar disputas. Esta é uma barreira que impede o curso do entendimento no dentro do maior dos fluxos livres, globais e sem território da informação e comunicação.

Quando estamos na comunicação física podemos ver uma postura que traz consigo um léxico presencial esperado que pode ser o definidor para um processo de inclusão ou exclusão no grupo em interação. Códigos corpóreos delimitam ou ampliam os enunciados na expectativa da presença exercida. Nas relações face-a-face fica difícil ser ocultar um estado de espírito do momento e a força do olhar presencial desnuda a máscara virtual de um dialogo, onde o ritmo da voz pode abrigar, uma comunicação mal formada.

Há no viver dos cenários virtuais uma ditadura do “eu espetáculo” em que além de convencer queremos encantar nossas testemunhas expondo as coisas novas descobertas em um navegar em rede ou que nos foi intermediada em uma linkagem @miga. Juntamos, em nosso domínio de convivência, uma coleção de fragmentos de reflexão referenciada, uma fração de conteúdos exóticos e absurdos que são usados como entretenimento ou, ainda, compartilhamos, com uma expectativa de solidariedade, nossa emoção com belo e o inusitado. Viver na memória de nossas fantasias mais que a memória da nossa realidade.

Todos rejuvenescem no ciberespaço das convivências abrigadas, revigorados como por um efeito tipo “Benjamin Button”. Voltamos a uma adolescência querendo “como nos mostrar” com o nosso espetáculo, o show do nosso eu, formando um “Lego” incoerente onde cabe a cada um filtrar o que é relevante. Muito é descartado para o esquecimento por sua incoerência ou extrema simplicidade de um pensamento oxigenado.

Assim nas armadilhas de um se divulgar digital, não postar seria uma opção, para que o pensamento não fique preso a perenidade da palavra escrita. A tão citada frase - scripta manet, verba volant, - a palavra é efêmera e a escrita permanece - pode ser entendida, também, como, a letra mata e o espírito vivifica. Muitos nunca escreveram para preservar a uma liberdade e fluidade temporal para o pensamento. Talvez por isso a decisão de “Bartleby, o escrivão” de Melville, cujo ofício de vida era redigir, em um determinado momento da sua vida para com sua escrita por uma questão de sua própria escolha: “I have chosen not to write again" disse e nunca mais escreveu até morrer. [1] Sábio exemplo que poderia ser seguido por muitos.

Pitágoras foi um grande filósofo grego, responsável por desenvolvimentos na matemática, astronomia e na teoria da música Pitágoras nunca deixou nada escrito - acredita-se que para preservar a linguagem de seu pensamento. Sócrates e Buda nada deixaram escritos e muito se fala do que pensaram e disseram. Cristo pelo que sabemos escreveu uma única vez e poucas palavras que a areia se encarregou de apagar. A escrita nas mãos de um incapaz é como a espada nas mãos de uma criança, dizia Santo Anselmo. Melhor seria então não escrever e só citar? ou lincar? [4]

Seria essa talvez a opção do "linkador" virtual que não produz um conteúdo próprio e em uma escrita consistente e sua; não produz nada de sua própria composição e vive na dominância do cultivo intelectual do seu "amigo" produtor de conteúdos como um refugiado em seu próprio casulo e de lá fica citando indicativos e indícios para a cidade e para o mundo: "Urbi et Orbi". Se coloca, assim como um incomunicador com soberania própria e por sua própria escolha , dentro de um espaço que possui todos os apetrechos e facilidades para uma intensiva difusão das narrativas proprietárias. E por quanto tempo o citador ficará  só citando? Na história do teatrólogo alemão Bertolt Brecht esta incomunicação vence o tempo:

“O senhor Keuner estava tranquilamente em sua casa, quando esta foi invadida por um gigante fardado que o interpelou: “Queres servir-me?” O senhor Keuner, então, foi para a cozinha e passou a preparar comida para o invasor. Durante semanas, meses e até anos, preparou acepipes variados, sobremesas deliciosas e excelentes bebidas para o gigante. Um dia, após muitos anos, o gigante morreu. O senhor Keuner arrastou o cadáver até o fundo do jardim, jogou-o num buraco e respondeu: “Não!” "

A incomunicação do senhor Keuner se revelou mais forte do que o tempo, mas o desentendimento consumiu toda sua vida.

Aldo de A Barreto
(postagem revista em 22/07/2013


Notas:
Publicado na DataGramaZero, Revista de Ciência da Informação, v.10, n.5,out/09 em Colunas

[1] Síndrome da comunicação catódica - excessivo uso de uma superfície capaz de emitir elétrons quando iluminada em uma tela de pixels de fósforo. Exemplo: um monitor de um PC.
[2] Bartleby, o escrivão do Escritor Herman Melville.
[3]Cinco visões Pessoais de J.L. Borges.
[4]Histórias do Sr. Keuner de Bertolt Brecht.

sexta-feira, outubro 09, 2009

A escrita, a interface gráfica e a linguagem





A informação tem variada tipologia. Uma narrativa é um conjunto de expressões inscritas em uma base na multiplicidade de configurações de uma  escrita. Constitui um todo unificado passível de ser distribuído por um canal de transferência.

O discurso de significação é uma elaboração do autor, mas quando distribuída a narrativa associa em sua amplitude: a leitura, o receptor e a sua interpretação ou reconstrução. O significado vem de escritas múltiplas e de várias culturas que entram no diálogo; entram em contestação e se acumulam no leitor. No leitor está o ambiente exato em que se inscrevem todas as referências das quais uma escrita é feita; a unidade do texto não está em sua origem, mas no seu destino e este destino não pode ser particularmente descrito: o leitor é um homem sem história, sem biografia, sem psicologia (Barthes).

A estrutura de informação pode ser sequencial e centrada em uma narração continua devido ao seu formato. Um texto pode, também, ser acêntrico e sem destino certo, composto por varias estruturas que se narram em paralelo. A escrita deu ao homem valores visuais e lhe causou uma consciência fragmentada. Na convivência dos espaços auditivos, a comunicação de enunciados, intercedida por muitas vozes, era limitada no espaço pela distância entre emissor e receptor.

Foi à tipografia que terminou com a cultura auditiva tribal. Permitiu a cultura escrita multiplicar possibilidades de  imiscuir se no tempo e no espaço. O homem do pensamento linear e sequencial classificou e organizou a informação e o fez em modo hierárquico, em uma série contínua de graus escalas, famílias temáticas. Usou uma arranjo por categorias indicando suas subordinações em relação a uma cadeia de parentesco dentro de um universo de termos particularizado.

A passagem da cultura de comunicação tribal ao modo da escrita e da tipografia foi uma transformação profunda para o indivíduo e para a sociedade. Assim, vem sendo a passagem da cultura da escrita linear para  redes digitais com, uma desconstrução e desfamiliaziração temática e o adiamento do significado que é espalhado pelas trilhas dos textos paralelos.

No mundo digital da escrita sem centro marcador configura-se uma nova adaptação na relação do receptor com o conhecimento. O texto tramado como na urdidura dos fios entrelaçados traz uma vinculação e um emaranhado de cadeias imprevisíveis sem qualquer qualificação hierárquica.

Conhecer é como se apropriar de enunciados alinhavados; é como construir uma bricolagem, onde cada junção de pedaços necessite uma permissão para passar  dada pela possibilidade de assimilar . Uma bricolagem que é individualizada para cada andante neste passear por mosaicos.

As escrituras digitalizadas, tramadas e distribuídas em rede recolocam as condições de apropriação da informação pela sua inscrição. A escrita digital em seu contexto de existência admite liberdade ao lidar com o texto livre das amarras da composição aterrada ao código. As palavras não são mais apriosionadas a uma página.

O base da escrita será sempre comum e permanece como pano de fundo, como um elemento sistemático e compulsório. Mas os enunciados são contingentes e acontecem em uma escrita que é uma mediação gráfica desta linguagem comum, mas diferenciada em cada contexto de comunicação. É preciso então estabelecer a diferença entre a escrita estruturadora e a escrita volátil e mutável no dialogo dos enunciados digitais.

A escrita digital é uma tecnologia que se espelha, mas não se subordina aos códigos . Para a informação em fluxo não acontece só uma transmissão de informação, existe um contínuo colóquio interativo de enunciados entre geradores e receptores. Os envolvidos possuem uma afinidade em seus intentos e preocupação com a qualidade do objeto em construção. Os jogos de informação nos colégios virtuais interagem com estruturas abertas, pois existem não pela presença anatômica, mas com uma visibilidade potencial do estar ali.

Uma escrita em formato digital e  de textos intercambiáveis é livre para o encadeamento dos devaneios do receptor no percurso pelas tramas das narrativas. Desta forma é livre da ideação de quem gerou o conteúdo  e dos controladores de formatos e padrões estabelecidos.  O receptor pode percorrer os caminhos de sua interpretação individual livre das amarras dos controladores de uma escrita formalizada e única. São individualidades divergentes que no ato da leitura se separam para sempre.

Aldo de Albuquerque Barreto
revisto em 2013

domingo, setembro 27, 2009

A ECONOMIA POLÍTICA DA VELOCIDADE


Em entrevista a Revista Ñ do jornal O Clarin, de Buenos Aires, Ricardo Piglia, um dos principais escritores argentinos da atualidade fala do "Elogio de la lentitud." [1]"A circulação da escrita parece alcançou uma velocidade extraordinária, mas o paradoxo é que o tempo de leitura não mudou. Lemos, hoje, como líamos no tempo de Aristóteles: vamos decifrando signo após signo e isto nos coloca em uma situação similar a que tínhamos na época em que a circulação da escrita não era tão rápida"."O autor W. H. Hudson, por exemplo, nos conta em "Allá lejos y hace tienpo" um livro de 1918 que descreve sua vida nos pampas argentinos como lhe chegavam para leitura os romances e como depois de lê-los os emprestava para fazenda vizinha, cinco quilômetros adentro, que depois era emprestada a uma outra mais para frente. A escrita ia se alastrando a cavalo.""Quem escreve um Blog sente que é importante escrever sobre sua própria vida. Mas depois tem que caçar leitores. Há que analisar quem quer se deter ali...Falar da instantaneidade de contato é sempre relativo".

Charles Babbage, matemático inglês (1792-1871). escreveu o Tratado da economia das máquinas e das manufaturas em 1832 [2]. Seus trabalhos o levaram a imaginar máquinas de calcular combinando as possibilidades das calculadoras e dos cartões perfurados Uma previsão destas máquinas e como sua velocidade está modificando as relações do homem em geral e da economia em particular nos leva a pensar em uma “ Economia política da velocidade”.

Paul Virilio com seu livro “A Arte do Motor “ nos inspira a falar de velocidade. Segundo Virilio a realidade convive e conviveu com cinco motores na ligeireza da inovação. [3]

Inovações tecnológicas transformam e desterritorializam o espaço geográfico em todas as escalas. Os motores da história mostram como as técnicas transformam as relações entre os indivíduos e seu modo de coexistência pela incidência da velocidade em mundo cada vez mais automatizado.

O primeiro motor, o vapor ocasionou uma primeira revolução na informação pela revolução industrial. Foi o motor a vapor que permitiu uma leitura do mundo através da velocidade do trem, uma visão sucessiva e nítida como em um folhetim que se vai se contando até o final do destino. Cada motor modifica a realidade por sua mediação com a velocidade do aceso e recuperação da informação e com o nosso atuar no mundo.

O segundo motor, o motor de explosão, propiciou o desenvolvimento do avião. Voando, o homem obteve uma visão inédita da informação e do mundo. Seria o sonho da distribuição da informação ter a possibilidade de ver os labirintos dos arquivos por cima. Entrar em um arquivo expõe a velocidade do acesso aumentada pela visão geral dada pelo motor aéreo.

O viajante tem uma visão de cima para baixo e como um avoante pode ver as tramóias, os caminhos certos para a informação desejada. A velocidade no ar relativiza o tempo local de um espaço com todas as implicações econômicas e de socialização que esta condição potencializa. O avião Concorde saindo da Europa chegava aos EUA, hora local, antes da partida de Londres.

O terceiro motor, o elétrico, deu origem à turbina, favoreceu a eletrificação e é precursor das conexões para troca de informações entre dispositivos inclusive a imagem em movimento que mudou o olhar do homem. Com o motor da eletricidade conectamos diversos apetrechos elétricos de transferência de informação como o rádio, o telefone e o fax que eliminaram a pontualidade do tempo local.

O quarto motor é o motor-foguete e sua velocidade possibilitou escapar da atração terrestre. O indivíduo foi colocado em outro lugar do mundo com um distanciamento e uma nova visão da terra a partir de um outro espaço. O distanciamento preparou o homem para olhar do mundo para a terra; um incrível afastamento de sua realidade vivencial.

O último motor é o motor informático, da velocidade do tempo online, o tempo zero, é o motor que coloca o homem em uma realidade do agir digital. A informação digital online modifica toda a afinidade com o real e permite vivenciar uma realidade potencial: da convivência sem presença física. Consente uma velocidade que interatua em todas as condições de uma nova experiência de informação e econômica de trocas com o mercado.

A economia da informação observa como a informação ou sua falta afeta o processo decisório. A velocidade das trocas de informação influi, portanto, em muitas áreas como finanças, seguros, direito e no processo decisório, mais quando em condições de risco e incerteza.

Falta, assim, delinear uma nova economia política da velocidade da informação com toda a repercussão que esta possa ter nas macro relações de produção e decisões envolvendo a articulação dos fatores básicos como o capital e o trabalho.

Aldo de A Barreto

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Notas:
[1] Elogio de La Lentitud, O Clarin, Revista Ñ de 25/01/2008
[2] Babbage, Charles (1835). On the Economy of Machinery and Manufactures , Charles Knight, London
[3] Paul Virilio, A Arte do Motor, Estação Liberdade , 1996

terça-feira, setembro 22, 2009

O pensamento é uma onda elétrica pequenininha


Por muitos anos tem se esperado que a informação organize o mundo, pois apesar de "o pensamento nada mais ser que uma onda elétrica pequenininha se espalhando pelo cérebro em milissegundos" [1] ele referencia o homem ao seu passado histórico e ao seu desejo do futuro. Assim para instituir o saber no mundo a justa distribuição da informação dever estar organizada.

Muitas e antigas tem sido as idealizações de organizar a informação para estabelecer uma provável transferência de conhecimento. O livre fluxo de informação e sua distribuição equitativa tem sido um sonho de diversos homens em diversas épocas. A rede de saber universal foi uma preocupação desde as velhas sociedades científicas do mundo.

A luta por uma distribuição do conhecimento produzido pela humanidade vem desde o século XVII passando por cérebros e instituições. A construção da Enciclopédia de Diderot e D‟Alembert, Paul Otlet e o Mundialismo que inspirou o quase atual Decuverse de Theodor Nelson, Vannevar Bush e seus pesquisadores na segunda guerra mundial, a aldeia global de Marshal McLuhan, as idéias de Roland Barthes, de Jaques Derrida, de Claude Lèvi-Strauss, a Arqueologia do Saber de Michel Foucoult .

O ideal compartilhado seria o de se construir uma sociedade do conhecimento não só uma sociedade da informação. A sociedade da informação necessitava de aparelhamento e controle formatador em época que as estruturas eram fixas e o texto tradicional ditava um modelo único de estrutura. Nestes tempos idos se aplicava uma organização da informação onde o potencial humano era a possibilidade concreta em uma época de documentos e usuários escassos ou privilegiados pela densidade.

Já em 1945 ao findar da segunda guerra houve a uma explosão do saber acumulado no período e enorme abundância de informação que servia para inabilitá-la como um bem econômico escasso; a abundância relativiza o valor. Passou, então, a ser escassa a informação organizada com uma (in)tensão de criar saber. [2]

Em 1945 em seu artigo “As we may think” Vanenevar Bush teve a possibilidade de constatar na prática que a informação não poderia, quando em fartura ser organizada por pelo homem e sua técnicas iniciadoras. Bush tinha um grande medo de que se tornasse um exemplo de organização o que aconteceu com os textos de Gregor Mendel, que deram origem a toda a moderna genética e que foram publicadas em 1866, mas só foram redescobertas cerca de 100 anos depois em 1900. Certamente os escritos de Mendel não estavam em uma organização privilegiada da informação pelos cérebros da época e ficaram perdidos por uma geração atravancando os todos benefícios que hoje trazem para a sociedade o conhecimento genético.

Desde 1945 com o artigo de Bush e após, na reunião na Inglaterra em 1948 a Royal Society Scientific Information Conference ficou claro que 4 fatores impediam o a distribuição da informação e do saber no mundo moderno: a) formação inadequada de recursos humanos para lidar com o volume de informação a partir de 1945; b) o fraco instrumental de organização e recuperação da informação existente; c) o arcabouço teórico existente na área, que não explicava suas práticas: o homem não pensava hierarquicamente ou em formato fixo, mas sim por associação de idéias livres.

Enfim, nada trabalha melhor que o cérebro humano se bem orientado e dentro de suas possibilidades para organizar a informação em estoques pequenininhos. Mas em determinado momento quem resolve é a máquina. Esta contratação vem, também, desde Gottfried Leibniz em 1604 que dizia que o pensamento pode se manifestar no interior de uma máquina ou a mediação da escrita algorítmica de Boole para as pesquisas em máquinas e os “Marcadores de Luz” do plano de Francis Bacon de 1662. [3] [4]

Na abundância da informação o que pode lhe dar um valor de adequada escassez é a máquina ao lidar com os bilhões de postagem nos blogs do mundo ou as imagens depositadas no Flickr e no You Tube. Não é uma organização perfeita da informação como faria o homem. Não é, ainda, uma organização que deva estar modelada pela ideologia dos formatos determinados. E uma única opção no mar do sem sentido de um turbilhão de textos desformatados e abandonados.

Esta é uma nova realidade , um novo regime de informação, E “pobre la gente que nunca comprende un milagro de éstos y que sólo entiende, Que no nacen rosas más que en los rosales, y que no hay más trigo que el de los trigales!, Que requiere líneas y color y forma, y que sólo admite uma realidad por norma.Que cuando uno dice: “Voy con la dulzura”,de inmediato buscan a la criatura.” [5]


Aldo de A Barreto
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Notas:

[1] "O pensamento nada mais é que uma onda elétrica pequenininha se espalhando pelo cérebro numa escala de tempo de milissegundos" Miguel Nicolelis, neurocientista, em entrevista a Folha de São Paulo de 10 de junho [JC email da SBPC 3781]
[2] “(in) tensão” - a separação da palavra quer denotar seu sentido de direção (in) e a tensão de apropriação de um conhecimento quando o receptor assimila o pensamento de um emissor traduzido em uma informação colocada em um código comum a ambos
[3]Hobbes, T. (1997). De la Nature Humaine, traduzido do inglês para o francês pelo barão d´Hilbach, comentário de E. Roux. Saint-Amand-Montrond: Actes Sud.
[4] A Historia da Sociedade da Informação de Armand Matterlat, Loyola

[5] El dulce milagro de Juana de Ibarbourou poeta uruguaia.

sábado, setembro 12, 2009

INDICADORES VACILANTES E FICTÍCIOS


O relatório de 2008 do Journal Citation Reports Science Edition (Institute for Scientific Information, a Thomson Reuters, 2009) apresenta algumas inovações e um novo parâmetro bibliométrico chamado " 5-Year Fator de Impacto".

O tal fator é calculado baseado em uma média de cinco anos das citações que os artigos de um periódico em determinada área recebe, dois anos após sua publicação. Um agregado destes periódicos nas diferentes áreas é chamado de periódicos quentes.

Os Periódicos Quentes formam a base de dados dos estudos e avaliações da pesquisa, dos pesquisadores e da ciência usando as citações dos artigos fornecidas pela Empresa em questão. É o banco de dados usado, também, por outros estudos independentes que se dedicam a examinar a produtividade científica e de pesquisadores.

O fator de impacto pode influenciar a relação custo-benefício dos periódicos. Forma-se um ciclo vicioso e perpetuante: os pesquisadores são citados se escrevem em periódicos quentes, daí só querem escrever para um periódico se ele é quente. O circulo se regenera e se realimenta e pobre das outras publicações em ciência e tecnologia.

Mas o aumento considerável da co-citação e da co-autoria e da auto citação foi desvendado pelas condições das redes eletrônicas de trabalho e pesquisa como as novas características dos colégios visíveis eletrônicos; artigos escritos em redes de colaboração podem ter até 50 autores, por artigo, neles a troca de citações, em outros artigos, demonstra uma relação de afetividade colaborativa o com objetivo de manter o alto fator de impacto, a visibilidade e o benefício da revista e dos seus autores. [1]

A co-citação e co-autoria indicada na rede mostram as heranças entrelaçadas de anteriores e interesses individuais e corporativos. Daí o enorme receio de que, boa margem destas citações seja, também, provocada para garantir um do retorno do fomento colocado nas pesquisas. Uma troca de favores que abriga, também, quem conta as citações, pois as revistas quentes reduzem muito o universo a ser contado.

Existe, contudo um novo concorrente somando as referências o SCImago Journal & Country Rank, totalmente desenvolvido na Espanha na base de dados da Holland Elsevier. Teremos, então, uma possível diversificação de periódicos e fatores quentes.

Pelo menos a análise se expande. Não há nada melhor do que a concorrência para renovar e melhorar produtos e serviços. Em artigo o jornal espanhol EL País indica a questão das auto-referências como um aspecto que muitas vezes passa despercebida para muitos. [1]

"Uma percentagem elevada de auto-referências em uma revista profissional,i ndica o Jornal, pode significar, pelo menos, quatro coisas:

" A escassez de artigos em uma área do conhecimento,
" Poucas publicações na área do conhecimento
" Mal uso de literatura na área (e da pesquisa) e finalmente
" Uma fraude bibliométrica conhecida como engenharia do fator de impacto.”

"Na média de idade de revistas mais ou menos 50 anos temos entre 3% e 7% das citações da própria publicação. Encontramos revistas, com mais de 10% e isso nos colocou no caminho de uma possível alteração do famoso Fator de Impacto, um índice bibliométrico que é reverenciado por editores, centros acadêmicos, comités de seleção, sociedades profissionais, bibliométricos."

As revistas científicas continuam a ter muitos problemas para existir e competir nacional e internacionalmente. A engenharia do fator de impacto, em todas as suas formas e influências gera a deterioração da paisagem editorial e da liberdade de expressão gerando um ganho irreal de competitividade ou um impacto bibliométrico fictício.


[1[ Fontes: colocações da nossa lista e o artigo "Las revistas científicas españolas y el fraude bibliométrico" publicado por Juan Aréchaga em 11/09/2009 no jornal EL PAIS, Espanha, http://tinyurl.com/m5dypl
[1] Co-autoria como indicador de redes de colaboração ciêntífica, Artigo http://www.eci.ufmg.br/pcionline/index.php/pci/article/viewFile/215/471


Observação: As estatísticas primárias são definidas como dados iniciais de uma pesquisa pela contagem em campo obtida a partir de respostas aos diversos inquéritos feito em organizações e com aos cidadãos sobre um tópico específico. Indicadores são informações elaboradas a partir destas estatísticas primárias compostos, geralmente, pela agregação e relacionamento de duas ou mais séries de estatísticas primárias. Os indicadores só existem com validade se apoiado em dados corretamente coletados de forma primária.

quarta-feira, setembro 02, 2009

A comunicação inacabada


Todo homem se desenha pelas escolhas que vai fazendo ao longo de sua vida. Nenhum objetivo importante é alcançado sem alguma luta, sem algum conflito, consigo mesmo e com os outros. A natureza humana é contraditória e tão forte é a contenda do ser que transcende para as condições de convivência do homem na terra.

Vivemos em uma articulação de conflitos e somos contraditórios, não conseguimos viver sem disputas. Tudo isso já era difícil quando em um existir face a face e presencial em uma realidade entre objetos e outros habitantes. Mas com a inserção da realidade virtual, em nossa convivência cotidiana, cada vez mais vivemos uma existência sem a necessidade de uma presença física, um entreolhar, um gesto, o toque e a sensibilidade da linguagem do corpo do outro.

O radicalismo do viver virtual leva a desentendimentos e até algumas batalhas são formatadas pela ausência da presença absoluta, pela a carência do contato físico. Os nativos da Internet são os mais propensos a sofrer da Síndrome da comunicação catódica*. Nasceram na virtualidade e conviveram com ela e com seus games e seus gadgets de mediação corporal. Alguns destes nativos se assombram com o tête-à-tête, a compleição do formato físico, os sons divergentes em cada fala, as emanações voláteis do corpo. Eles temem até mesmo usar o telefone com sendo uma extensão do homem.

Isto pode levar a desajustes tolos e sem sentido no relacionamento. Ou decisões profundas como tomou “Bartleby, o escrivão” de Melville, que em um determinado momento da vida deixou de escrever e por uma questão de sua própria escolha “I have chosen not to write again" disse e nunca mais escreveu até morrer *

Assim pode terminar o excessivo comunicador virtual: um estranho refugiado em seu próprio casulo pensando que de lá está falando, com clareza, para a cidade e para o mundo - "Urbi et Orbi".

Incomunicável, e por uma escolha sua, dentro de um espaço que é de apetrechos de comunicação. Já na história do teatrólogo alemão Bertolt Brecht, está a incomunicação que venceu no tempo:

O senhor Keuner estava tranquilamente em sua casa, quando esta foi invadida por um gigante fardado que o interpelou: “Queres servir-me?”

O senhor Keuner, então, foi para a cozinha e passou a preparar comida para o invasor. Durante semanas, meses e até anos, preparou acepipes variados, sobremesas deliciosas e excelentes bebidas para o gigante. Um dia, após muitos anos, o gigante morreu. O senhor Keuner arrastou o cadáver até o fundo do jardim, jogou-o num buraco e respondeu: “Não!”.

A incomunicação do senhor Keuner se revelou mais forte do que o tempo, mas sua resposta ao desentendimento consumiu uma vida.

Aldo de A Barreto
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* Notas:

- Bartleby, o escrivão de Herman Melville
- Síndrome da comunicação catódica - excessivo uso de uma superfície capaz de emitir elétrons quando iluminada em uma tela de pixels de fosforo. Exemplo: um monitor de um PC
- Historias do Sr. Keuner de Bertolt Brecht

domingo, agosto 30, 2009

A máscara e a convivência virtual


Em dias de web, a facilidade de interação pela tecnologia de visualização da informação escrita tem facilitado e incrementado a constituição de grupos de pessoas para uma convivência colaborativa em redes eletrônicas.

Pelo menos dois fatores são facilitadores para esta agregação de pessoas: as tecnologias de sociabilidade aumentaram a possibilidade da ação coletiva de pequenos grupos para perseguir o mesmo objetivo. O novo modelo explora, ainda, formas inéditas para o processo de trabalhar em conjunto, com grupos descentralizados ou concentrados. Mas, nem sempre a opção colaborativa em rede é a escolhida devido ao foco que coloca nas pessoas do grupo.

A incidência de um tradicionalismo cultural, do viver por uma presença recolhida, em uma realidade sem exigências desta exposição no mundo real e objetivo é ainda muito forte. A liberdade das redes de convivência expõe de forma ampla e imediatista o pensar e a expressão escrita em uma visibilidade, sempre requerida por esta opção. Neste caso o receio da exibição pública de idéias particulares pode restringir a convivência no ciberespaço. São mitos reservados e lendas de enunciação em uma configuração do desejo de liberdade de falar para todos.

As narrativas tradicionais lineares lembram a composição dos mitos por terem uma enunciação semanticamente autônoma, mas referênciada ao seu próprio mundo fechado em sua esfera de verdade. Com seu enunciado ritualista, marcado pelo seu caráter de sagrada realização repetitiva, o mito, assim como, o documento linear se conta e se reconta sempre em um mesmo sentido da narração; a ele se acrescentam só interpretações da recontagem, mas conserva uma representação que procura ser fiel ao proclamado original. São narrativas mais prudentes em relação ao tempo e espaço de exposição publica.

Uma estrutura aberta de socialização das enunciações escritas se assemelha a lenda, porque os textos se entrelaçam e se agregam a outros textos, colados pela intercessão de geradores, que também são receptores. O trabalho colaborativo aberto é lendário, pois qualquer seja o seu núcleo inicial de intenção, representará depois, a soma do que dele se diz, de acordo com seu percurso. É uma narrativa que percorre a sua própria aventura virtual e passa a ser independente de um único autor. Diferente do mito que possui uma só representação no real; a lenda possui um núcleo tutor e uma bricolagem de atributos que a ela aderem. Dois atos diferentes de conviver a informação e se mostrar ao mundo.

Ao enunciar atos de informação transferimos fatos e idéias esperando convencer nossos espectadores privilegiados que irão, por opção nossa, julgar e acolher nossos feitos, ditos ou escritos sejam eles mitológicos ou lendários e repassar esta apreciação ao longo do tempo.

O que falamos e escrevemos é para registro junto a nossas testemunhas. Nossa vida ativa acontece em uma condição testemunhal. Todos querem participação e visibilidade quando produzem enunciados em conjunto, mas muitos não querem a exposição e o julgamento imediato que disso resulta. No mundo da visibilidade nossa atuação se relaciona a esta condição de convencer e não decepcionar as testemunhas que confirmam o nosso atuar como marcos no caminho de nossa aventura existencial.

Cada um de nos tem várias e diferentes testemunhas: a família, os amigos, os alunos, leitores e pares nas diversas comunidades de convivência funcional. Se não lidamos bem com este alardeio publicitado, as nossas trocas de informação podem se alterar, pois a cerceamos pelo temor do julgamento destes espectadores previstos.

A informação não existe sem testemunhas e toda a memória que ela forma depende desta validação. Os estoques de memória existem, enquanto existirem as testemunhas e as testemunhas das testemunhas do que lá se encontra. A nossa escrita cria, assim, um domicílio documental de memória ao qual podemos sempre recorrer ou regressar para uma acolhida de atestação. As nossas narrativas contadas mantêm uma memória iluminada no presente.

Quando trocadas em colaboração virtual estas mensagens mostram a individualidade em tempo real e imediato e muitos preferem a máscara de uma condição recolhida, impressa e encadernada por muitas revisões. É uma questão cultural que o apressamento cibernético não mudará a curto prazo. Mas que irá conferir certa invisibilidade a quem optou pela máscara.

domingo, agosto 23, 2009

O valor e o preço da informação


A informação é muitas vezes referida como mercadoria* de consumo ou bem econômico para facilitar sua inserção no mundo dos negócios, das tecnologias e, também, no mundo acadêmico e da consultoria. Parece, talvez devido à nova economia de textos da web, que o enfoque informação - produto voltou ao foco da reflexão em salas e congressos. As notas abaixo já foram pensadas por nos e nossos alunos 1990 quando, ainda lecionava no Programa de Pós-Graduação uma disciplina de Economia da informação, já que a nossa tese de doutorado tratou deste assunto.


Contudo, em termos econômicos, a informação seria um bem torto, por não possuir os atributos necessários para esta caracterização, isto é: não tem uma clara unidade de medida, não é divisível, é abundante e não escassa, não é homogênea, não se extingue com o consumo, e, sobretudo quando consumida não se transforma em propriedade do consumidor; sua posse pelo gerador mesmo defendida por marcos legais é de difícil manutenção.

Um quilo de batatas tem uma clara e divisível unidade de medida, é razoavelmente homogêneo a outro quilo de batatas, é escasso, e o meu quilo de batatas não vai para a panela de mais ninguém. Acaba quando eu como as minhas batatinhas. Quem fala em mercadoria* informação, sem as devidas ressalvas, pode estar falando do seu formato, da sua base física e não de seu conteúdo simbólico.

O mercado de informação, se existe, é atormentado pela relação: preço - valor. A mesma "mercadoria" * informação possui um valor diferente para diferentes consumidores. Configurar um preço de equilíbrio é impossível, pois tal preço pode estar muito abaixo ou muito acima do que diferentes usuários, com diferentes necessidades, lhe atribuem e estão dispostos a pagar por ela no mercado. Fácil colocar preço no objeto livro, no periódico, no jornal, no disco, mas então, estamos falando de dispositivos e não do conteúdo.


Por razões semelhantes à informação, também, não é um insumo ou um fator de produção; por definição (na teoria da produção) todo fator de produção perde suas características, desaparece, no processo de produção para fazer surgir o novo produto. E isto não acontece com a informação. Por exemplo, as meadas de algodão desaparecem quando da fabricação do casaco. Existe informação agregada em todo o processo de produção do casaco, mas ela permanece a mesma após a finalização da produção.

Seguindo esta linha de reflexão indicamos que o conceito de valor é relativo e específico para cada indivíduo, de acordo com a sua escala de preferências, a sua hierarquia de desejos. Um indivíduo valoriza o conhecimento - A - em relação ao conhecimento - B - dentro desta escala de preferências, de utilidade e prioridade para ele. Neste caso, o valor do conhecimento A, para cada indivíduo, vai depender:

I. De sua preferência pelo conhecimento A em detrimento ao conhecimento B;

II. Da sua competência cognitiva em decodificar A e B e assim tornar possível uma comparação e uma apropriação;

III. Do conhecimento A e do conhecimento B estarem em um código que seja simbolicamente significante para o receptor.

Assim, se no julgamento do receptor, o valor do conhecimento A é maior que o valor do conhecimento B o receptor efetuou uma decisão de utilidade entre os dois. Portanto, o valor entre duas opções é relativo, obedece a critérios de demanda e só se efetiva na potencialidade da absorção do conhecimento pelos receptores

Todo ato de conhecimento está associado a um conteúdo simbólico de um dispositivo de informação e representa uma cerimônia com ritos próprios e uma passagem simbolicamente mediada para o receptor da informação. Na ambiência de informação há que se acrescentar a tipologia de valor simbólico que é a capacidade do receptor em traduzir o conteúdo da mensagem para o seu entendimento. O valor de troca ou de mercado no mundo simbólico dos conteúdos do texto são medidas imponderáveis,


Na realidade prótese do ciberespaço há que considerar, ainda, que artefatos informacionais em rede digital, são objetos de informação que estão, ou em se fazendo ou que, apesar de acabados, podem ter seu conteúdo modificado continuamente, devido a um sucessivo diálogo com o gerador ou uma conversação com um coletivo de participantes. Aqui só pode existir um valor circunstancial de uso da informação, pois a sua utilidade para o receptor está pendente de um acabamento.

A medida de relevância e de valor está presa em uma relação de expectativas circunstanciais do usuário que espera contar com a coisa pronta. Valor e relevância estão presos em um determinado momento de completeza na expectativa de um de fechamento esperado. O Painel da ONU sobre o tempo e a Rede de pesquisa do DNA são exemplos, pois elaboram documentos que estão em se fazendo.

A propriedade intelectual de uma informação que se encontra em se fazendo e em um suporte digital, que é socialmente construída por diversos geradores dependerá de se estabelecer um código de convivência e trocas ainda não pensado e restará determinar na finalização de quem é a propriedade da coisa toda.

Aldo de A Barreto


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* por mercadoria estamos indicando, somente, a condição técnica de produção de um produto. Não estamos, aqui, vinculando ao termo a ideologia relacionada com os fatores de produção.

domingo, agosto 16, 2009

Sensação e percepção na relação informação e conhecimento


Para instrumentar e delimitar o pensamento subsequente defino o conceito de informação como sendo:

Conjuntos simbolicamente significantes com a competência e a intenção de gerar conhecimento no indivíduo em seu grupo e na sociedade.


Assim a informação fica qualificada como um instrumento modificador da consciência do homem e de seu grupo social. Deixa de ser uma qualidade para reduzir incerteza, para ser a própria qualidade em si.

Fica estabelecida uma essência que é a existência da relação entre informação e conhecimento, que só se realiza se esta for percebida e aceita como tal.

Passa a existir na minha reflexão uma condição estética daquela essência relacional que é a sensibilidade para apreender a informação, a emoção que tenuemente precede a percepção e representa o sentimento da momentaneidade de um sentir o mundo.

Os sentidos são a interface para apreender o percebido. Dá-nos uma concepção dos objetos e uma confiança em sua existência, mas com uma sensação que precede a percepção. A sensação que tenho ao admirar a obra de arte direciona a individualidade perceptiva e leva a apropriações individualmente diferenciadas. Aqui a linguagem se encontra com sua interface.

A linguagem como um código permeia a condição humana já a escrita como interface é uma tecnologia moderna e não existem muitos sistemas de escrita. A escrita como a manifestação gráfica de uma língua se flexiona no tempo e no contexto.

Só a informação inscrita, linear ou digital, tem lugar no continuum do perceber ao conhecer. A inscrição se revela na plasticidade de uma obra gravada em alguma forma de escrita e ela permite a conexão gráfica entre gerador e receptor, desde que os dois a possam traduzir.

Nossas mentes forjadas em uma existência oral não lidam bem com os registros da escrita e a assimilação pela tradução do código implica em redesenhar cadeias de pensamento integrando novas conexões, vinculações virtuais e qualidades cognitivas.

A percepção da escrita é complexa e envolve decodificação, recognição e interpretação. Abrange uma configuração mental com a participação de atributos específicos de avaliação, memória, signos, significantes e significados. Uma sucessão de eventos que se ajustam, para entender o significado.

Esta apreensão se dá em um momento do presente em confluência com o passado e na perspectiva do futuro. Mas na realidade virtual, a percepção está em um tempo online em uma velocidade sem distância e a interiorização acontece em um presente imponderável, pois a coisa toda faz com que passado e o futuro como que desabem no presente, de tempo real, para a assimilação dos conteúdos. Uma vivência em um presente que é a soma de todos os tempos.

Ali se processa um conjunto de atos voluntários, pelo qual o indivíduo reelabora o seu mundo modificando seu universo de conteúdos simbólicos. É o inicio do algo que nunca iniciou antes, mas que encadeará em uma consequência, ainda que, o continuum iniciado não finalize em uma realização. O conhecimento é uma onda formada e acabada em milissegundos. Por isso se evapora no momento de sua geração.

Para que o conhecimento opere é necessária a transferência dos significados simbólicos para a realidade dos receptores em uma conjuntura favorável de interação. Nesse momento nada é menos global que a informação, pois nada é mais, privado e individual que a sensação que precede a sua assimilação. Um processo diferenciado para cada receptor, um lugar individualizado para o significado que lhe é destinado.

Aldo de Albuquerque Barreto

Súmario da publicação em Colunas no DataGramaZero v.10 n.4 ago/09

http://www.dgz.org.br/ago09/F_I_com.htm

sábado, agosto 01, 2009

O leão a caçada e o Vôo de Levy



Ah, Ahab, no mar te deixo sem bote, que te conduza, sem bóias que te sustentem, entregue a tua pequenez de homem *







Na idade média, que consideramos como algo entre os anos 900 e 1300, a informação era um privilegio erudito e estava retida nos muros dos mosteiros cuidada e vigiada pelos frades bibliotecários. Umberto Eco no livro O Nome da Rosa mostra esta prisão no discurso de Jorge, o chefe dos monges copistas da abadia medieval:

"Mas é próprio de nosso trabalho, do trabalho de nossa ordem em particular e deste mosteiro o estudo e a custódia do saber, a custódia digo não a busca, porque é próprio do saber coisa divina, ser completo e definido desde o inicio, na perfeição do verbo que exprime a si mesmo". "Não há progressos, não há revoluções de períodos na história do saber, mas no máximo, continua e sublime recapitulação."

A informação foi cativa, por longos anos, em diferentes muralhas: desde os monastérios aos universos simbólicos particularizados pelas ideologias para organizar e controlar o saber, passando pelos monopólios editoriais. Entre alforrias e prisões ela chegou até a época da Internet quando grande parte dos textos é democraticamente liberado, livre e em linguagem natural. Mas muitos insistem em continuar operando na sublime recapitulação medieval.

A área de informação se construiu continuamente ao sabor das inovações da tecnologia. É um campo voltado para as aplicações e por isso sua possível estrutura teórica corre atrás das práticas já estabelecidas para tentar uma explanação que se agregue, a posteriori, a um fragmentado corpo. Por isso prefiro sempre lidar com a sua historiografia que com sua epistemologia acompanhante.

Pois, contar a história de como se atuava com a informação no passado é didático e fundamental para o entendimento da evolução da coisa toda e para basear sua memória. "Enquanto o leão não escrever a sua versão a memória da caçada exaltará ao caçador"

O livre fluxo de informação e sua distribuição equitativa tem sido um sonho de aplicação tecnológica de diversos homens em diversas épocas. A rede de saber universal é uma preocupação desde a Academia de Lince, na Itália, talvez a mais velha sociedade científica funcionando desde 1603. Para conseguir este intento as técnicas para tratar a informação vêm mudando sucessivamente sem que o novo acabe, totalmente, com o que existiu.

O leão que habita os agregados de informação sofre os efeitos da tecnologia caçadora que é de busca assídua, mas também de acossamento. A tecnologia atua como no "vôo de Levy” * que explica os grandes saltos e depois o ciscar das técnicas paralelas no mesmo padrão.

Depois de 1945 Vannevar Bush saltando para o novo, em um longo vôo, mudou o pensar e as práticas da informação e sua distribuição. Um novo vôo veio de meados de 1980 até 1995 com a informação assumindo um novo status com a internet e a interface gráfica web.

As tecnologias de informação e sua disseminação modificaram aspectos fundamentais, tanto da condição da informação quanto da sua participação na vida de todos. Estas tecnologias intensas mudaram o tempo e do espaço na relação estabelecida entre os emissores e os receptores para criação e acesso aos seus estoques. A situação criada a partir de 1995 com a web permite a existência de um eu-prótese instrumentado para lidar e publicitar a informação em uma nova configuração com o tempo, o espaço e a leitura. É o leão contando sua história e se posicionando na memória da caçada.

O arcabouço tecnológico que possibilita esta nova interação ainda é restritivo em termos econômicos e requer aprendizado; não está socialmente resolvido para todos, mas isto não anula as condições que colocam a informação eletrônica como uma nova maneira de ingresso e participação mais democrática no jogo dos enunciados para compor a narrativa final.

É preciso,contudo, refletir sobre qual é o limite da tecnologia ou da incessante busca nesta caçada perseguindo a informação como meio de ascensão igualitária. A partir de que ponto este conjunto de técnicas deixa de ter interesse social.

Seria o limite da tecnologia o momento em que a inovação criada se volta contra o indivíduo? Iniciando problemas éticos, legais, socioeconômicos e mudanças na relação do homem com suas próteses. As tecnologias de informação de tão intensas em inovação podem aumentar os poderes das máquinas transformando o indivíduo em objeto destes poderes.

Tem sido pensado neste tempo cibernético a questão da importância da tecnologia quando ponderada com a possibilidade de uma existência mais simples, menos imediata e com a felicidade pautada pelo singelo e doce sentimento do passar da existência.

Uma considerável parte da convivência atual acontece virtualmente em uma realidade paralela. Cada vez mais a opção de um viver escondido se mostra nos "Chats", no "Facebook", no "Twitter" e espaços virtuais paralelos. Uma segunda vida é possível. O sentimento da existência pode agora ser vivido por nosso eu-prótese existindo em espaços de vivência sem presença.

Esse é um fatalismo da realidade eletrônica quando exclui do mundo o contato corporal para o conviver na felicidade do virtual onde a energia é a emergência em todas as suas com sequências. A felicidade pela visibilidade está colocada no discurso interior do diálogo consigo mesmo e com o outro, colóquio que não existe fora de um contexto de sociabilidade mesmo no mundo cibernético.
Aldo de A Barreto
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* Moby Dick de Herman Melville [a história de uma caçada]

* O vôo de Lévy é tese do matemático francês, Paul-Pierre Lévy (1886 - 1971), explica um movimento vantajoso, por exemplo, quando uma fonte de alimento está distribuída de maneira esparsa e aleatória. A estratégia mais proveitosa para um animal em busca de uma refeição é, nesses casos, fazer grandes jornadas e depois ciscar em pequenos movimentos e por um tempo para vasculhar os arredores. Se não encontrar mais nada, é voar para outra zona distante onde a probabilidade de encontrar novo alimento talvez seja maior.