sábado, agosto 01, 2009

O leão a caçada e o Vôo de Levy



Ah, Ahab, no mar te deixo sem bote, que te conduza, sem bóias que te sustentem, entregue a tua pequenez de homem *







Na idade média, que consideramos como algo entre os anos 900 e 1300, a informação era um privilegio erudito e estava retida nos muros dos mosteiros cuidada e vigiada pelos frades bibliotecários. Umberto Eco no livro O Nome da Rosa mostra esta prisão no discurso de Jorge, o chefe dos monges copistas da abadia medieval:

"Mas é próprio de nosso trabalho, do trabalho de nossa ordem em particular e deste mosteiro o estudo e a custódia do saber, a custódia digo não a busca, porque é próprio do saber coisa divina, ser completo e definido desde o inicio, na perfeição do verbo que exprime a si mesmo". "Não há progressos, não há revoluções de períodos na história do saber, mas no máximo, continua e sublime recapitulação."

A informação foi cativa, por longos anos, em diferentes muralhas: desde os monastérios aos universos simbólicos particularizados pelas ideologias para organizar e controlar o saber, passando pelos monopólios editoriais. Entre alforrias e prisões ela chegou até a época da Internet quando grande parte dos textos é democraticamente liberado, livre e em linguagem natural. Mas muitos insistem em continuar operando na sublime recapitulação medieval.

A área de informação se construiu continuamente ao sabor das inovações da tecnologia. É um campo voltado para as aplicações e por isso sua possível estrutura teórica corre atrás das práticas já estabelecidas para tentar uma explanação que se agregue, a posteriori, a um fragmentado corpo. Por isso prefiro sempre lidar com a sua historiografia que com sua epistemologia acompanhante.

Pois, contar a história de como se atuava com a informação no passado é didático e fundamental para o entendimento da evolução da coisa toda e para basear sua memória. "Enquanto o leão não escrever a sua versão a memória da caçada exaltará ao caçador"

O livre fluxo de informação e sua distribuição equitativa tem sido um sonho de aplicação tecnológica de diversos homens em diversas épocas. A rede de saber universal é uma preocupação desde a Academia de Lince, na Itália, talvez a mais velha sociedade científica funcionando desde 1603. Para conseguir este intento as técnicas para tratar a informação vêm mudando sucessivamente sem que o novo acabe, totalmente, com o que existiu.

O leão que habita os agregados de informação sofre os efeitos da tecnologia caçadora que é de busca assídua, mas também de acossamento. A tecnologia atua como no "vôo de Levy” * que explica os grandes saltos e depois o ciscar das técnicas paralelas no mesmo padrão.

Depois de 1945 Vannevar Bush saltando para o novo, em um longo vôo, mudou o pensar e as práticas da informação e sua distribuição. Um novo vôo veio de meados de 1980 até 1995 com a informação assumindo um novo status com a internet e a interface gráfica web.

As tecnologias de informação e sua disseminação modificaram aspectos fundamentais, tanto da condição da informação quanto da sua participação na vida de todos. Estas tecnologias intensas mudaram o tempo e do espaço na relação estabelecida entre os emissores e os receptores para criação e acesso aos seus estoques. A situação criada a partir de 1995 com a web permite a existência de um eu-prótese instrumentado para lidar e publicitar a informação em uma nova configuração com o tempo, o espaço e a leitura. É o leão contando sua história e se posicionando na memória da caçada.

O arcabouço tecnológico que possibilita esta nova interação ainda é restritivo em termos econômicos e requer aprendizado; não está socialmente resolvido para todos, mas isto não anula as condições que colocam a informação eletrônica como uma nova maneira de ingresso e participação mais democrática no jogo dos enunciados para compor a narrativa final.

É preciso,contudo, refletir sobre qual é o limite da tecnologia ou da incessante busca nesta caçada perseguindo a informação como meio de ascensão igualitária. A partir de que ponto este conjunto de técnicas deixa de ter interesse social.

Seria o limite da tecnologia o momento em que a inovação criada se volta contra o indivíduo? Iniciando problemas éticos, legais, socioeconômicos e mudanças na relação do homem com suas próteses. As tecnologias de informação de tão intensas em inovação podem aumentar os poderes das máquinas transformando o indivíduo em objeto destes poderes.

Tem sido pensado neste tempo cibernético a questão da importância da tecnologia quando ponderada com a possibilidade de uma existência mais simples, menos imediata e com a felicidade pautada pelo singelo e doce sentimento do passar da existência.

Uma considerável parte da convivência atual acontece virtualmente em uma realidade paralela. Cada vez mais a opção de um viver escondido se mostra nos "Chats", no "Facebook", no "Twitter" e espaços virtuais paralelos. Uma segunda vida é possível. O sentimento da existência pode agora ser vivido por nosso eu-prótese existindo em espaços de vivência sem presença.

Esse é um fatalismo da realidade eletrônica quando exclui do mundo o contato corporal para o conviver na felicidade do virtual onde a energia é a emergência em todas as suas com sequências. A felicidade pela visibilidade está colocada no discurso interior do diálogo consigo mesmo e com o outro, colóquio que não existe fora de um contexto de sociabilidade mesmo no mundo cibernético.
Aldo de A Barreto
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* Moby Dick de Herman Melville [a história de uma caçada]

* O vôo de Lévy é tese do matemático francês, Paul-Pierre Lévy (1886 - 1971), explica um movimento vantajoso, por exemplo, quando uma fonte de alimento está distribuída de maneira esparsa e aleatória. A estratégia mais proveitosa para um animal em busca de uma refeição é, nesses casos, fazer grandes jornadas e depois ciscar em pequenos movimentos e por um tempo para vasculhar os arredores. Se não encontrar mais nada, é voar para outra zona distante onde a probabilidade de encontrar novo alimento talvez seja maior.

Um comentário:

Noemi disse...

Ótimo texto!