domingo, agosto 30, 2009

A máscara e a convivência virtual


Em dias de web, a facilidade de interação pela tecnologia de visualização da informação escrita tem facilitado e incrementado a constituição de grupos de pessoas para uma convivência colaborativa em redes eletrônicas.

Pelo menos dois fatores são facilitadores para esta agregação de pessoas: as tecnologias de sociabilidade aumentaram a possibilidade da ação coletiva de pequenos grupos para perseguir o mesmo objetivo. O novo modelo explora, ainda, formas inéditas para o processo de trabalhar em conjunto, com grupos descentralizados ou concentrados. Mas, nem sempre a opção colaborativa em rede é a escolhida devido ao foco que coloca nas pessoas do grupo.

A incidência de um tradicionalismo cultural, do viver por uma presença recolhida, em uma realidade sem exigências desta exposição no mundo real e objetivo é ainda muito forte. A liberdade das redes de convivência expõe de forma ampla e imediatista o pensar e a expressão escrita em uma visibilidade, sempre requerida por esta opção. Neste caso o receio da exibição pública de idéias particulares pode restringir a convivência no ciberespaço. São mitos reservados e lendas de enunciação em uma configuração do desejo de liberdade de falar para todos.

As narrativas tradicionais lineares lembram a composição dos mitos por terem uma enunciação semanticamente autônoma, mas referênciada ao seu próprio mundo fechado em sua esfera de verdade. Com seu enunciado ritualista, marcado pelo seu caráter de sagrada realização repetitiva, o mito, assim como, o documento linear se conta e se reconta sempre em um mesmo sentido da narração; a ele se acrescentam só interpretações da recontagem, mas conserva uma representação que procura ser fiel ao proclamado original. São narrativas mais prudentes em relação ao tempo e espaço de exposição publica.

Uma estrutura aberta de socialização das enunciações escritas se assemelha a lenda, porque os textos se entrelaçam e se agregam a outros textos, colados pela intercessão de geradores, que também são receptores. O trabalho colaborativo aberto é lendário, pois qualquer seja o seu núcleo inicial de intenção, representará depois, a soma do que dele se diz, de acordo com seu percurso. É uma narrativa que percorre a sua própria aventura virtual e passa a ser independente de um único autor. Diferente do mito que possui uma só representação no real; a lenda possui um núcleo tutor e uma bricolagem de atributos que a ela aderem. Dois atos diferentes de conviver a informação e se mostrar ao mundo.

Ao enunciar atos de informação transferimos fatos e idéias esperando convencer nossos espectadores privilegiados que irão, por opção nossa, julgar e acolher nossos feitos, ditos ou escritos sejam eles mitológicos ou lendários e repassar esta apreciação ao longo do tempo.

O que falamos e escrevemos é para registro junto a nossas testemunhas. Nossa vida ativa acontece em uma condição testemunhal. Todos querem participação e visibilidade quando produzem enunciados em conjunto, mas muitos não querem a exposição e o julgamento imediato que disso resulta. No mundo da visibilidade nossa atuação se relaciona a esta condição de convencer e não decepcionar as testemunhas que confirmam o nosso atuar como marcos no caminho de nossa aventura existencial.

Cada um de nos tem várias e diferentes testemunhas: a família, os amigos, os alunos, leitores e pares nas diversas comunidades de convivência funcional. Se não lidamos bem com este alardeio publicitado, as nossas trocas de informação podem se alterar, pois a cerceamos pelo temor do julgamento destes espectadores previstos.

A informação não existe sem testemunhas e toda a memória que ela forma depende desta validação. Os estoques de memória existem, enquanto existirem as testemunhas e as testemunhas das testemunhas do que lá se encontra. A nossa escrita cria, assim, um domicílio documental de memória ao qual podemos sempre recorrer ou regressar para uma acolhida de atestação. As nossas narrativas contadas mantêm uma memória iluminada no presente.

Quando trocadas em colaboração virtual estas mensagens mostram a individualidade em tempo real e imediato e muitos preferem a máscara de uma condição recolhida, impressa e encadernada por muitas revisões. É uma questão cultural que o apressamento cibernético não mudará a curto prazo. Mas que irá conferir certa invisibilidade a quem optou pela máscara.

domingo, agosto 23, 2009

O valor e o preço da informação


A informação é muitas vezes referida como mercadoria* de consumo ou bem econômico para facilitar sua inserção no mundo dos negócios, das tecnologias e, também, no mundo acadêmico e da consultoria. Parece, talvez devido à nova economia de textos da web, que o enfoque informação - produto voltou ao foco da reflexão em salas e congressos. As notas abaixo já foram pensadas por nos e nossos alunos 1990 quando, ainda lecionava no Programa de Pós-Graduação uma disciplina de Economia da informação, já que a nossa tese de doutorado tratou deste assunto.


Contudo, em termos econômicos, a informação seria um bem torto, por não possuir os atributos necessários para esta caracterização, isto é: não tem uma clara unidade de medida, não é divisível, é abundante e não escassa, não é homogênea, não se extingue com o consumo, e, sobretudo quando consumida não se transforma em propriedade do consumidor; sua posse pelo gerador mesmo defendida por marcos legais é de difícil manutenção.

Um quilo de batatas tem uma clara e divisível unidade de medida, é razoavelmente homogêneo a outro quilo de batatas, é escasso, e o meu quilo de batatas não vai para a panela de mais ninguém. Acaba quando eu como as minhas batatinhas. Quem fala em mercadoria* informação, sem as devidas ressalvas, pode estar falando do seu formato, da sua base física e não de seu conteúdo simbólico.

O mercado de informação, se existe, é atormentado pela relação: preço - valor. A mesma "mercadoria" * informação possui um valor diferente para diferentes consumidores. Configurar um preço de equilíbrio é impossível, pois tal preço pode estar muito abaixo ou muito acima do que diferentes usuários, com diferentes necessidades, lhe atribuem e estão dispostos a pagar por ela no mercado. Fácil colocar preço no objeto livro, no periódico, no jornal, no disco, mas então, estamos falando de dispositivos e não do conteúdo.


Por razões semelhantes à informação, também, não é um insumo ou um fator de produção; por definição (na teoria da produção) todo fator de produção perde suas características, desaparece, no processo de produção para fazer surgir o novo produto. E isto não acontece com a informação. Por exemplo, as meadas de algodão desaparecem quando da fabricação do casaco. Existe informação agregada em todo o processo de produção do casaco, mas ela permanece a mesma após a finalização da produção.

Seguindo esta linha de reflexão indicamos que o conceito de valor é relativo e específico para cada indivíduo, de acordo com a sua escala de preferências, a sua hierarquia de desejos. Um indivíduo valoriza o conhecimento - A - em relação ao conhecimento - B - dentro desta escala de preferências, de utilidade e prioridade para ele. Neste caso, o valor do conhecimento A, para cada indivíduo, vai depender:

I. De sua preferência pelo conhecimento A em detrimento ao conhecimento B;

II. Da sua competência cognitiva em decodificar A e B e assim tornar possível uma comparação e uma apropriação;

III. Do conhecimento A e do conhecimento B estarem em um código que seja simbolicamente significante para o receptor.

Assim, se no julgamento do receptor, o valor do conhecimento A é maior que o valor do conhecimento B o receptor efetuou uma decisão de utilidade entre os dois. Portanto, o valor entre duas opções é relativo, obedece a critérios de demanda e só se efetiva na potencialidade da absorção do conhecimento pelos receptores

Todo ato de conhecimento está associado a um conteúdo simbólico de um dispositivo de informação e representa uma cerimônia com ritos próprios e uma passagem simbolicamente mediada para o receptor da informação. Na ambiência de informação há que se acrescentar a tipologia de valor simbólico que é a capacidade do receptor em traduzir o conteúdo da mensagem para o seu entendimento. O valor de troca ou de mercado no mundo simbólico dos conteúdos do texto são medidas imponderáveis,


Na realidade prótese do ciberespaço há que considerar, ainda, que artefatos informacionais em rede digital, são objetos de informação que estão, ou em se fazendo ou que, apesar de acabados, podem ter seu conteúdo modificado continuamente, devido a um sucessivo diálogo com o gerador ou uma conversação com um coletivo de participantes. Aqui só pode existir um valor circunstancial de uso da informação, pois a sua utilidade para o receptor está pendente de um acabamento.

A medida de relevância e de valor está presa em uma relação de expectativas circunstanciais do usuário que espera contar com a coisa pronta. Valor e relevância estão presos em um determinado momento de completeza na expectativa de um de fechamento esperado. O Painel da ONU sobre o tempo e a Rede de pesquisa do DNA são exemplos, pois elaboram documentos que estão em se fazendo.

A propriedade intelectual de uma informação que se encontra em se fazendo e em um suporte digital, que é socialmente construída por diversos geradores dependerá de se estabelecer um código de convivência e trocas ainda não pensado e restará determinar na finalização de quem é a propriedade da coisa toda.

Aldo de A Barreto


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* por mercadoria estamos indicando, somente, a condição técnica de produção de um produto. Não estamos, aqui, vinculando ao termo a ideologia relacionada com os fatores de produção.

domingo, agosto 16, 2009

Sensação e percepção na relação informação e conhecimento


Para instrumentar e delimitar o pensamento subsequente defino o conceito de informação como sendo:

Conjuntos simbolicamente significantes com a competência e a intenção de gerar conhecimento no indivíduo em seu grupo e na sociedade.


Assim a informação fica qualificada como um instrumento modificador da consciência do homem e de seu grupo social. Deixa de ser uma qualidade para reduzir incerteza, para ser a própria qualidade em si.

Fica estabelecida uma essência que é a existência da relação entre informação e conhecimento, que só se realiza se esta for percebida e aceita como tal.

Passa a existir na minha reflexão uma condição estética daquela essência relacional que é a sensibilidade para apreender a informação, a emoção que tenuemente precede a percepção e representa o sentimento da momentaneidade de um sentir o mundo.

Os sentidos são a interface para apreender o percebido. Dá-nos uma concepção dos objetos e uma confiança em sua existência, mas com uma sensação que precede a percepção. A sensação que tenho ao admirar a obra de arte direciona a individualidade perceptiva e leva a apropriações individualmente diferenciadas. Aqui a linguagem se encontra com sua interface.

A linguagem como um código permeia a condição humana já a escrita como interface é uma tecnologia moderna e não existem muitos sistemas de escrita. A escrita como a manifestação gráfica de uma língua se flexiona no tempo e no contexto.

Só a informação inscrita, linear ou digital, tem lugar no continuum do perceber ao conhecer. A inscrição se revela na plasticidade de uma obra gravada em alguma forma de escrita e ela permite a conexão gráfica entre gerador e receptor, desde que os dois a possam traduzir.

Nossas mentes forjadas em uma existência oral não lidam bem com os registros da escrita e a assimilação pela tradução do código implica em redesenhar cadeias de pensamento integrando novas conexões, vinculações virtuais e qualidades cognitivas.

A percepção da escrita é complexa e envolve decodificação, recognição e interpretação. Abrange uma configuração mental com a participação de atributos específicos de avaliação, memória, signos, significantes e significados. Uma sucessão de eventos que se ajustam, para entender o significado.

Esta apreensão se dá em um momento do presente em confluência com o passado e na perspectiva do futuro. Mas na realidade virtual, a percepção está em um tempo online em uma velocidade sem distância e a interiorização acontece em um presente imponderável, pois a coisa toda faz com que passado e o futuro como que desabem no presente, de tempo real, para a assimilação dos conteúdos. Uma vivência em um presente que é a soma de todos os tempos.

Ali se processa um conjunto de atos voluntários, pelo qual o indivíduo reelabora o seu mundo modificando seu universo de conteúdos simbólicos. É o inicio do algo que nunca iniciou antes, mas que encadeará em uma consequência, ainda que, o continuum iniciado não finalize em uma realização. O conhecimento é uma onda formada e acabada em milissegundos. Por isso se evapora no momento de sua geração.

Para que o conhecimento opere é necessária a transferência dos significados simbólicos para a realidade dos receptores em uma conjuntura favorável de interação. Nesse momento nada é menos global que a informação, pois nada é mais, privado e individual que a sensação que precede a sua assimilação. Um processo diferenciado para cada receptor, um lugar individualizado para o significado que lhe é destinado.

Aldo de Albuquerque Barreto

Súmario da publicação em Colunas no DataGramaZero v.10 n.4 ago/09

http://www.dgz.org.br/ago09/F_I_com.htm

sábado, agosto 01, 2009

O leão a caçada e o Vôo de Levy



Ah, Ahab, no mar te deixo sem bote, que te conduza, sem bóias que te sustentem, entregue a tua pequenez de homem *







Na idade média, que consideramos como algo entre os anos 900 e 1300, a informação era um privilegio erudito e estava retida nos muros dos mosteiros cuidada e vigiada pelos frades bibliotecários. Umberto Eco no livro O Nome da Rosa mostra esta prisão no discurso de Jorge, o chefe dos monges copistas da abadia medieval:

"Mas é próprio de nosso trabalho, do trabalho de nossa ordem em particular e deste mosteiro o estudo e a custódia do saber, a custódia digo não a busca, porque é próprio do saber coisa divina, ser completo e definido desde o inicio, na perfeição do verbo que exprime a si mesmo". "Não há progressos, não há revoluções de períodos na história do saber, mas no máximo, continua e sublime recapitulação."

A informação foi cativa, por longos anos, em diferentes muralhas: desde os monastérios aos universos simbólicos particularizados pelas ideologias para organizar e controlar o saber, passando pelos monopólios editoriais. Entre alforrias e prisões ela chegou até a época da Internet quando grande parte dos textos é democraticamente liberado, livre e em linguagem natural. Mas muitos insistem em continuar operando na sublime recapitulação medieval.

A área de informação se construiu continuamente ao sabor das inovações da tecnologia. É um campo voltado para as aplicações e por isso sua possível estrutura teórica corre atrás das práticas já estabelecidas para tentar uma explanação que se agregue, a posteriori, a um fragmentado corpo. Por isso prefiro sempre lidar com a sua historiografia que com sua epistemologia acompanhante.

Pois, contar a história de como se atuava com a informação no passado é didático e fundamental para o entendimento da evolução da coisa toda e para basear sua memória. "Enquanto o leão não escrever a sua versão a memória da caçada exaltará ao caçador"

O livre fluxo de informação e sua distribuição equitativa tem sido um sonho de aplicação tecnológica de diversos homens em diversas épocas. A rede de saber universal é uma preocupação desde a Academia de Lince, na Itália, talvez a mais velha sociedade científica funcionando desde 1603. Para conseguir este intento as técnicas para tratar a informação vêm mudando sucessivamente sem que o novo acabe, totalmente, com o que existiu.

O leão que habita os agregados de informação sofre os efeitos da tecnologia caçadora que é de busca assídua, mas também de acossamento. A tecnologia atua como no "vôo de Levy” * que explica os grandes saltos e depois o ciscar das técnicas paralelas no mesmo padrão.

Depois de 1945 Vannevar Bush saltando para o novo, em um longo vôo, mudou o pensar e as práticas da informação e sua distribuição. Um novo vôo veio de meados de 1980 até 1995 com a informação assumindo um novo status com a internet e a interface gráfica web.

As tecnologias de informação e sua disseminação modificaram aspectos fundamentais, tanto da condição da informação quanto da sua participação na vida de todos. Estas tecnologias intensas mudaram o tempo e do espaço na relação estabelecida entre os emissores e os receptores para criação e acesso aos seus estoques. A situação criada a partir de 1995 com a web permite a existência de um eu-prótese instrumentado para lidar e publicitar a informação em uma nova configuração com o tempo, o espaço e a leitura. É o leão contando sua história e se posicionando na memória da caçada.

O arcabouço tecnológico que possibilita esta nova interação ainda é restritivo em termos econômicos e requer aprendizado; não está socialmente resolvido para todos, mas isto não anula as condições que colocam a informação eletrônica como uma nova maneira de ingresso e participação mais democrática no jogo dos enunciados para compor a narrativa final.

É preciso,contudo, refletir sobre qual é o limite da tecnologia ou da incessante busca nesta caçada perseguindo a informação como meio de ascensão igualitária. A partir de que ponto este conjunto de técnicas deixa de ter interesse social.

Seria o limite da tecnologia o momento em que a inovação criada se volta contra o indivíduo? Iniciando problemas éticos, legais, socioeconômicos e mudanças na relação do homem com suas próteses. As tecnologias de informação de tão intensas em inovação podem aumentar os poderes das máquinas transformando o indivíduo em objeto destes poderes.

Tem sido pensado neste tempo cibernético a questão da importância da tecnologia quando ponderada com a possibilidade de uma existência mais simples, menos imediata e com a felicidade pautada pelo singelo e doce sentimento do passar da existência.

Uma considerável parte da convivência atual acontece virtualmente em uma realidade paralela. Cada vez mais a opção de um viver escondido se mostra nos "Chats", no "Facebook", no "Twitter" e espaços virtuais paralelos. Uma segunda vida é possível. O sentimento da existência pode agora ser vivido por nosso eu-prótese existindo em espaços de vivência sem presença.

Esse é um fatalismo da realidade eletrônica quando exclui do mundo o contato corporal para o conviver na felicidade do virtual onde a energia é a emergência em todas as suas com sequências. A felicidade pela visibilidade está colocada no discurso interior do diálogo consigo mesmo e com o outro, colóquio que não existe fora de um contexto de sociabilidade mesmo no mundo cibernético.
Aldo de A Barreto
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* Moby Dick de Herman Melville [a história de uma caçada]

* O vôo de Lévy é tese do matemático francês, Paul-Pierre Lévy (1886 - 1971), explica um movimento vantajoso, por exemplo, quando uma fonte de alimento está distribuída de maneira esparsa e aleatória. A estratégia mais proveitosa para um animal em busca de uma refeição é, nesses casos, fazer grandes jornadas e depois ciscar em pequenos movimentos e por um tempo para vasculhar os arredores. Se não encontrar mais nada, é voar para outra zona distante onde a probabilidade de encontrar novo alimento talvez seja maior.