domingo, setembro 27, 2009

A ECONOMIA POLÍTICA DA VELOCIDADE


Em entrevista a Revista Ñ do jornal O Clarin, de Buenos Aires, Ricardo Piglia, um dos principais escritores argentinos da atualidade fala do "Elogio de la lentitud." [1]"A circulação da escrita parece alcançou uma velocidade extraordinária, mas o paradoxo é que o tempo de leitura não mudou. Lemos, hoje, como líamos no tempo de Aristóteles: vamos decifrando signo após signo e isto nos coloca em uma situação similar a que tínhamos na época em que a circulação da escrita não era tão rápida"."O autor W. H. Hudson, por exemplo, nos conta em "Allá lejos y hace tienpo" um livro de 1918 que descreve sua vida nos pampas argentinos como lhe chegavam para leitura os romances e como depois de lê-los os emprestava para fazenda vizinha, cinco quilômetros adentro, que depois era emprestada a uma outra mais para frente. A escrita ia se alastrando a cavalo.""Quem escreve um Blog sente que é importante escrever sobre sua própria vida. Mas depois tem que caçar leitores. Há que analisar quem quer se deter ali...Falar da instantaneidade de contato é sempre relativo".

Charles Babbage, matemático inglês (1792-1871). escreveu o Tratado da economia das máquinas e das manufaturas em 1832 [2]. Seus trabalhos o levaram a imaginar máquinas de calcular combinando as possibilidades das calculadoras e dos cartões perfurados Uma previsão destas máquinas e como sua velocidade está modificando as relações do homem em geral e da economia em particular nos leva a pensar em uma “ Economia política da velocidade”.

Paul Virilio com seu livro “A Arte do Motor “ nos inspira a falar de velocidade. Segundo Virilio a realidade convive e conviveu com cinco motores na ligeireza da inovação. [3]

Inovações tecnológicas transformam e desterritorializam o espaço geográfico em todas as escalas. Os motores da história mostram como as técnicas transformam as relações entre os indivíduos e seu modo de coexistência pela incidência da velocidade em mundo cada vez mais automatizado.

O primeiro motor, o vapor ocasionou uma primeira revolução na informação pela revolução industrial. Foi o motor a vapor que permitiu uma leitura do mundo através da velocidade do trem, uma visão sucessiva e nítida como em um folhetim que se vai se contando até o final do destino. Cada motor modifica a realidade por sua mediação com a velocidade do aceso e recuperação da informação e com o nosso atuar no mundo.

O segundo motor, o motor de explosão, propiciou o desenvolvimento do avião. Voando, o homem obteve uma visão inédita da informação e do mundo. Seria o sonho da distribuição da informação ter a possibilidade de ver os labirintos dos arquivos por cima. Entrar em um arquivo expõe a velocidade do acesso aumentada pela visão geral dada pelo motor aéreo.

O viajante tem uma visão de cima para baixo e como um avoante pode ver as tramóias, os caminhos certos para a informação desejada. A velocidade no ar relativiza o tempo local de um espaço com todas as implicações econômicas e de socialização que esta condição potencializa. O avião Concorde saindo da Europa chegava aos EUA, hora local, antes da partida de Londres.

O terceiro motor, o elétrico, deu origem à turbina, favoreceu a eletrificação e é precursor das conexões para troca de informações entre dispositivos inclusive a imagem em movimento que mudou o olhar do homem. Com o motor da eletricidade conectamos diversos apetrechos elétricos de transferência de informação como o rádio, o telefone e o fax que eliminaram a pontualidade do tempo local.

O quarto motor é o motor-foguete e sua velocidade possibilitou escapar da atração terrestre. O indivíduo foi colocado em outro lugar do mundo com um distanciamento e uma nova visão da terra a partir de um outro espaço. O distanciamento preparou o homem para olhar do mundo para a terra; um incrível afastamento de sua realidade vivencial.

O último motor é o motor informático, da velocidade do tempo online, o tempo zero, é o motor que coloca o homem em uma realidade do agir digital. A informação digital online modifica toda a afinidade com o real e permite vivenciar uma realidade potencial: da convivência sem presença física. Consente uma velocidade que interatua em todas as condições de uma nova experiência de informação e econômica de trocas com o mercado.

A economia da informação observa como a informação ou sua falta afeta o processo decisório. A velocidade das trocas de informação influi, portanto, em muitas áreas como finanças, seguros, direito e no processo decisório, mais quando em condições de risco e incerteza.

Falta, assim, delinear uma nova economia política da velocidade da informação com toda a repercussão que esta possa ter nas macro relações de produção e decisões envolvendo a articulação dos fatores básicos como o capital e o trabalho.

Aldo de A Barreto

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Notas:
[1] Elogio de La Lentitud, O Clarin, Revista Ñ de 25/01/2008
[2] Babbage, Charles (1835). On the Economy of Machinery and Manufactures , Charles Knight, London
[3] Paul Virilio, A Arte do Motor, Estação Liberdade , 1996

terça-feira, setembro 22, 2009

O pensamento é uma onda elétrica pequenininha


Por muitos anos tem se esperado que a informação organize o mundo, pois apesar de "o pensamento nada mais ser que uma onda elétrica pequenininha se espalhando pelo cérebro em milissegundos" [1] ele referencia o homem ao seu passado histórico e ao seu desejo do futuro. Assim para instituir o saber no mundo a justa distribuição da informação dever estar organizada.

Muitas e antigas tem sido as idealizações de organizar a informação para estabelecer uma provável transferência de conhecimento. O livre fluxo de informação e sua distribuição equitativa tem sido um sonho de diversos homens em diversas épocas. A rede de saber universal foi uma preocupação desde as velhas sociedades científicas do mundo.

A luta por uma distribuição do conhecimento produzido pela humanidade vem desde o século XVII passando por cérebros e instituições. A construção da Enciclopédia de Diderot e D‟Alembert, Paul Otlet e o Mundialismo que inspirou o quase atual Decuverse de Theodor Nelson, Vannevar Bush e seus pesquisadores na segunda guerra mundial, a aldeia global de Marshal McLuhan, as idéias de Roland Barthes, de Jaques Derrida, de Claude Lèvi-Strauss, a Arqueologia do Saber de Michel Foucoult .

O ideal compartilhado seria o de se construir uma sociedade do conhecimento não só uma sociedade da informação. A sociedade da informação necessitava de aparelhamento e controle formatador em época que as estruturas eram fixas e o texto tradicional ditava um modelo único de estrutura. Nestes tempos idos se aplicava uma organização da informação onde o potencial humano era a possibilidade concreta em uma época de documentos e usuários escassos ou privilegiados pela densidade.

Já em 1945 ao findar da segunda guerra houve a uma explosão do saber acumulado no período e enorme abundância de informação que servia para inabilitá-la como um bem econômico escasso; a abundância relativiza o valor. Passou, então, a ser escassa a informação organizada com uma (in)tensão de criar saber. [2]

Em 1945 em seu artigo “As we may think” Vanenevar Bush teve a possibilidade de constatar na prática que a informação não poderia, quando em fartura ser organizada por pelo homem e sua técnicas iniciadoras. Bush tinha um grande medo de que se tornasse um exemplo de organização o que aconteceu com os textos de Gregor Mendel, que deram origem a toda a moderna genética e que foram publicadas em 1866, mas só foram redescobertas cerca de 100 anos depois em 1900. Certamente os escritos de Mendel não estavam em uma organização privilegiada da informação pelos cérebros da época e ficaram perdidos por uma geração atravancando os todos benefícios que hoje trazem para a sociedade o conhecimento genético.

Desde 1945 com o artigo de Bush e após, na reunião na Inglaterra em 1948 a Royal Society Scientific Information Conference ficou claro que 4 fatores impediam o a distribuição da informação e do saber no mundo moderno: a) formação inadequada de recursos humanos para lidar com o volume de informação a partir de 1945; b) o fraco instrumental de organização e recuperação da informação existente; c) o arcabouço teórico existente na área, que não explicava suas práticas: o homem não pensava hierarquicamente ou em formato fixo, mas sim por associação de idéias livres.

Enfim, nada trabalha melhor que o cérebro humano se bem orientado e dentro de suas possibilidades para organizar a informação em estoques pequenininhos. Mas em determinado momento quem resolve é a máquina. Esta contratação vem, também, desde Gottfried Leibniz em 1604 que dizia que o pensamento pode se manifestar no interior de uma máquina ou a mediação da escrita algorítmica de Boole para as pesquisas em máquinas e os “Marcadores de Luz” do plano de Francis Bacon de 1662. [3] [4]

Na abundância da informação o que pode lhe dar um valor de adequada escassez é a máquina ao lidar com os bilhões de postagem nos blogs do mundo ou as imagens depositadas no Flickr e no You Tube. Não é uma organização perfeita da informação como faria o homem. Não é, ainda, uma organização que deva estar modelada pela ideologia dos formatos determinados. E uma única opção no mar do sem sentido de um turbilhão de textos desformatados e abandonados.

Esta é uma nova realidade , um novo regime de informação, E “pobre la gente que nunca comprende un milagro de éstos y que sólo entiende, Que no nacen rosas más que en los rosales, y que no hay más trigo que el de los trigales!, Que requiere líneas y color y forma, y que sólo admite uma realidad por norma.Que cuando uno dice: “Voy con la dulzura”,de inmediato buscan a la criatura.” [5]


Aldo de A Barreto
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Notas:

[1] "O pensamento nada mais é que uma onda elétrica pequenininha se espalhando pelo cérebro numa escala de tempo de milissegundos" Miguel Nicolelis, neurocientista, em entrevista a Folha de São Paulo de 10 de junho [JC email da SBPC 3781]
[2] “(in) tensão” - a separação da palavra quer denotar seu sentido de direção (in) e a tensão de apropriação de um conhecimento quando o receptor assimila o pensamento de um emissor traduzido em uma informação colocada em um código comum a ambos
[3]Hobbes, T. (1997). De la Nature Humaine, traduzido do inglês para o francês pelo barão d´Hilbach, comentário de E. Roux. Saint-Amand-Montrond: Actes Sud.
[4] A Historia da Sociedade da Informação de Armand Matterlat, Loyola

[5] El dulce milagro de Juana de Ibarbourou poeta uruguaia.

sábado, setembro 12, 2009

INDICADORES VACILANTES E FICTÍCIOS


O relatório de 2008 do Journal Citation Reports Science Edition (Institute for Scientific Information, a Thomson Reuters, 2009) apresenta algumas inovações e um novo parâmetro bibliométrico chamado " 5-Year Fator de Impacto".

O tal fator é calculado baseado em uma média de cinco anos das citações que os artigos de um periódico em determinada área recebe, dois anos após sua publicação. Um agregado destes periódicos nas diferentes áreas é chamado de periódicos quentes.

Os Periódicos Quentes formam a base de dados dos estudos e avaliações da pesquisa, dos pesquisadores e da ciência usando as citações dos artigos fornecidas pela Empresa em questão. É o banco de dados usado, também, por outros estudos independentes que se dedicam a examinar a produtividade científica e de pesquisadores.

O fator de impacto pode influenciar a relação custo-benefício dos periódicos. Forma-se um ciclo vicioso e perpetuante: os pesquisadores são citados se escrevem em periódicos quentes, daí só querem escrever para um periódico se ele é quente. O circulo se regenera e se realimenta e pobre das outras publicações em ciência e tecnologia.

Mas o aumento considerável da co-citação e da co-autoria e da auto citação foi desvendado pelas condições das redes eletrônicas de trabalho e pesquisa como as novas características dos colégios visíveis eletrônicos; artigos escritos em redes de colaboração podem ter até 50 autores, por artigo, neles a troca de citações, em outros artigos, demonstra uma relação de afetividade colaborativa o com objetivo de manter o alto fator de impacto, a visibilidade e o benefício da revista e dos seus autores. [1]

A co-citação e co-autoria indicada na rede mostram as heranças entrelaçadas de anteriores e interesses individuais e corporativos. Daí o enorme receio de que, boa margem destas citações seja, também, provocada para garantir um do retorno do fomento colocado nas pesquisas. Uma troca de favores que abriga, também, quem conta as citações, pois as revistas quentes reduzem muito o universo a ser contado.

Existe, contudo um novo concorrente somando as referências o SCImago Journal & Country Rank, totalmente desenvolvido na Espanha na base de dados da Holland Elsevier. Teremos, então, uma possível diversificação de periódicos e fatores quentes.

Pelo menos a análise se expande. Não há nada melhor do que a concorrência para renovar e melhorar produtos e serviços. Em artigo o jornal espanhol EL País indica a questão das auto-referências como um aspecto que muitas vezes passa despercebida para muitos. [1]

"Uma percentagem elevada de auto-referências em uma revista profissional,i ndica o Jornal, pode significar, pelo menos, quatro coisas:

" A escassez de artigos em uma área do conhecimento,
" Poucas publicações na área do conhecimento
" Mal uso de literatura na área (e da pesquisa) e finalmente
" Uma fraude bibliométrica conhecida como engenharia do fator de impacto.”

"Na média de idade de revistas mais ou menos 50 anos temos entre 3% e 7% das citações da própria publicação. Encontramos revistas, com mais de 10% e isso nos colocou no caminho de uma possível alteração do famoso Fator de Impacto, um índice bibliométrico que é reverenciado por editores, centros acadêmicos, comités de seleção, sociedades profissionais, bibliométricos."

As revistas científicas continuam a ter muitos problemas para existir e competir nacional e internacionalmente. A engenharia do fator de impacto, em todas as suas formas e influências gera a deterioração da paisagem editorial e da liberdade de expressão gerando um ganho irreal de competitividade ou um impacto bibliométrico fictício.


[1[ Fontes: colocações da nossa lista e o artigo "Las revistas científicas españolas y el fraude bibliométrico" publicado por Juan Aréchaga em 11/09/2009 no jornal EL PAIS, Espanha, http://tinyurl.com/m5dypl
[1] Co-autoria como indicador de redes de colaboração ciêntífica, Artigo http://www.eci.ufmg.br/pcionline/index.php/pci/article/viewFile/215/471


Observação: As estatísticas primárias são definidas como dados iniciais de uma pesquisa pela contagem em campo obtida a partir de respostas aos diversos inquéritos feito em organizações e com aos cidadãos sobre um tópico específico. Indicadores são informações elaboradas a partir destas estatísticas primárias compostos, geralmente, pela agregação e relacionamento de duas ou mais séries de estatísticas primárias. Os indicadores só existem com validade se apoiado em dados corretamente coletados de forma primária.

quarta-feira, setembro 02, 2009

A comunicação inacabada


Todo homem se desenha pelas escolhas que vai fazendo ao longo de sua vida. Nenhum objetivo importante é alcançado sem alguma luta, sem algum conflito, consigo mesmo e com os outros. A natureza humana é contraditória e tão forte é a contenda do ser que transcende para as condições de convivência do homem na terra.

Vivemos em uma articulação de conflitos e somos contraditórios, não conseguimos viver sem disputas. Tudo isso já era difícil quando em um existir face a face e presencial em uma realidade entre objetos e outros habitantes. Mas com a inserção da realidade virtual, em nossa convivência cotidiana, cada vez mais vivemos uma existência sem a necessidade de uma presença física, um entreolhar, um gesto, o toque e a sensibilidade da linguagem do corpo do outro.

O radicalismo do viver virtual leva a desentendimentos e até algumas batalhas são formatadas pela ausência da presença absoluta, pela a carência do contato físico. Os nativos da Internet são os mais propensos a sofrer da Síndrome da comunicação catódica*. Nasceram na virtualidade e conviveram com ela e com seus games e seus gadgets de mediação corporal. Alguns destes nativos se assombram com o tête-à-tête, a compleição do formato físico, os sons divergentes em cada fala, as emanações voláteis do corpo. Eles temem até mesmo usar o telefone com sendo uma extensão do homem.

Isto pode levar a desajustes tolos e sem sentido no relacionamento. Ou decisões profundas como tomou “Bartleby, o escrivão” de Melville, que em um determinado momento da vida deixou de escrever e por uma questão de sua própria escolha “I have chosen not to write again" disse e nunca mais escreveu até morrer *

Assim pode terminar o excessivo comunicador virtual: um estranho refugiado em seu próprio casulo pensando que de lá está falando, com clareza, para a cidade e para o mundo - "Urbi et Orbi".

Incomunicável, e por uma escolha sua, dentro de um espaço que é de apetrechos de comunicação. Já na história do teatrólogo alemão Bertolt Brecht, está a incomunicação que venceu no tempo:

O senhor Keuner estava tranquilamente em sua casa, quando esta foi invadida por um gigante fardado que o interpelou: “Queres servir-me?”

O senhor Keuner, então, foi para a cozinha e passou a preparar comida para o invasor. Durante semanas, meses e até anos, preparou acepipes variados, sobremesas deliciosas e excelentes bebidas para o gigante. Um dia, após muitos anos, o gigante morreu. O senhor Keuner arrastou o cadáver até o fundo do jardim, jogou-o num buraco e respondeu: “Não!”.

A incomunicação do senhor Keuner se revelou mais forte do que o tempo, mas sua resposta ao desentendimento consumiu uma vida.

Aldo de A Barreto
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* Notas:

- Bartleby, o escrivão de Herman Melville
- Síndrome da comunicação catódica - excessivo uso de uma superfície capaz de emitir elétrons quando iluminada em uma tela de pixels de fosforo. Exemplo: um monitor de um PC
- Historias do Sr. Keuner de Bertolt Brecht