Todo homem se desenha pelas escolhas que vai fazendo ao longo de sua vida. Nenhum objetivo importante é alcançado sem alguma luta, sem algum conflito, consigo mesmo e com os outros. A natureza humana é contraditória e tão forte é a contenda do ser que transcende para as condições de convivência do homem na terra.
Vivemos em uma articulação de conflitos e somos contraditórios, não conseguimos viver sem disputas. Tudo isso já era difícil quando em um existir face a face e presencial em uma realidade entre objetos e outros habitantes. Mas com a inserção da realidade virtual, em nossa convivência cotidiana, cada vez mais vivemos uma existência sem a necessidade de uma presença física, um entreolhar, um gesto, o toque e a sensibilidade da linguagem do corpo do outro.
O radicalismo do viver virtual leva a desentendimentos e até algumas batalhas são formatadas pela ausência da presença absoluta, pela a carência do contato físico. Os nativos da Internet são os mais propensos a sofrer da Síndrome da comunicação catódica*. Nasceram na virtualidade e conviveram com ela e com seus games e seus gadgets de mediação corporal. Alguns destes nativos se assombram com o tête-à-tête, a compleição do formato físico, os sons divergentes em cada fala, as emanações voláteis do corpo. Eles temem até mesmo usar o telefone com sendo uma extensão do homem.
Isto pode levar a desajustes tolos e sem sentido no relacionamento. Ou decisões profundas como tomou “Bartleby, o escrivão” de Melville, que em um determinado momento da vida deixou de escrever e por uma questão de sua própria escolha “I have chosen not to write again" disse e nunca mais escreveu até morrer *
Assim pode terminar o excessivo comunicador virtual: um estranho refugiado em seu próprio casulo pensando que de lá está falando, com clareza, para a cidade e para o mundo - "Urbi et Orbi".
Incomunicável, e por uma escolha sua, dentro de um espaço que é de apetrechos de comunicação. Já na história do teatrólogo alemão Bertolt Brecht, está a incomunicação que venceu no tempo:
O senhor Keuner estava tranquilamente em sua casa, quando esta foi invadida por um gigante fardado que o interpelou: “Queres servir-me?”
O senhor Keuner, então, foi para a cozinha e passou a preparar comida para o invasor. Durante semanas, meses e até anos, preparou acepipes variados, sobremesas deliciosas e excelentes bebidas para o gigante. Um dia, após muitos anos, o gigante morreu. O senhor Keuner arrastou o cadáver até o fundo do jardim, jogou-o num buraco e respondeu: “Não!”.
A incomunicação do senhor Keuner se revelou mais forte do que o tempo, mas sua resposta ao desentendimento consumiu uma vida.
Aldo de A Barreto
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Vivemos em uma articulação de conflitos e somos contraditórios, não conseguimos viver sem disputas. Tudo isso já era difícil quando em um existir face a face e presencial em uma realidade entre objetos e outros habitantes. Mas com a inserção da realidade virtual, em nossa convivência cotidiana, cada vez mais vivemos uma existência sem a necessidade de uma presença física, um entreolhar, um gesto, o toque e a sensibilidade da linguagem do corpo do outro.
O radicalismo do viver virtual leva a desentendimentos e até algumas batalhas são formatadas pela ausência da presença absoluta, pela a carência do contato físico. Os nativos da Internet são os mais propensos a sofrer da Síndrome da comunicação catódica*. Nasceram na virtualidade e conviveram com ela e com seus games e seus gadgets de mediação corporal. Alguns destes nativos se assombram com o tête-à-tête, a compleição do formato físico, os sons divergentes em cada fala, as emanações voláteis do corpo. Eles temem até mesmo usar o telefone com sendo uma extensão do homem.
Isto pode levar a desajustes tolos e sem sentido no relacionamento. Ou decisões profundas como tomou “Bartleby, o escrivão” de Melville, que em um determinado momento da vida deixou de escrever e por uma questão de sua própria escolha “I have chosen not to write again" disse e nunca mais escreveu até morrer *
Assim pode terminar o excessivo comunicador virtual: um estranho refugiado em seu próprio casulo pensando que de lá está falando, com clareza, para a cidade e para o mundo - "Urbi et Orbi".
Incomunicável, e por uma escolha sua, dentro de um espaço que é de apetrechos de comunicação. Já na história do teatrólogo alemão Bertolt Brecht, está a incomunicação que venceu no tempo:
O senhor Keuner estava tranquilamente em sua casa, quando esta foi invadida por um gigante fardado que o interpelou: “Queres servir-me?”
O senhor Keuner, então, foi para a cozinha e passou a preparar comida para o invasor. Durante semanas, meses e até anos, preparou acepipes variados, sobremesas deliciosas e excelentes bebidas para o gigante. Um dia, após muitos anos, o gigante morreu. O senhor Keuner arrastou o cadáver até o fundo do jardim, jogou-o num buraco e respondeu: “Não!”.
A incomunicação do senhor Keuner se revelou mais forte do que o tempo, mas sua resposta ao desentendimento consumiu uma vida.
Aldo de A Barreto
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* Notas:
- Bartleby, o escrivão de Herman Melville
- Síndrome da comunicação catódica - excessivo uso de uma superfície capaz de emitir elétrons quando iluminada em uma tela de pixels de fosforo. Exemplo: um monitor de um PC
- Historias do Sr. Keuner de Bertolt Brecht
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