sábado, novembro 07, 2009

As propostas para um milênio que já começou


Seis propostas para o próximo milênio o último livro de Ítalo Calvino resultou de uma serie de seis aulas, um ciclo de seis conferências que foi realizada durante o ano acadêmico de 1985/86 na Universidade de Harvard nos Estados Unidos. Nelas o autor apresenta propostas para a qualidade e fluidez da escrita no futuro. Quando partiu para as palestras nos EUA Calvino já tinha cinco conferências preparadas. As suas propostas indicam o pensar de uma nova narrativa textual que deveria ser: leve, rápida, exata, visível e múltipla; O escritor morreu em Setembro de 1985 e não escreveu a sexta proposta que seria a consistência.

Pensando nas propostas somos levados, inicialmente, ao texto de Paul Valéry que dizia que uma narrativa deveria ter leveza do pensamento e ser leve como um pássaro, mas não como a pluma. Avoante como Mercurio o mensageiro dos deuses. A escrita flui fácil, mas não é vaga ou aleatória. A rapidez fala da necessidade de uma trama sem os excessos de detalhismos e de divagação que protelam a conclusão. A precisão evoca a necessidade de usar imagens nítidas na composição do texto, deixando para a interpretação do leitor as viagens do imaginário.

A visibilidade fornece a composição visiva do espaço em que se processa a história; uma “mis-em-scéne” do lugar físico para os olhos da imaginação. A multiplicidade deve permitir ao leitor sua interferência na apreensão do significado pelo o emaranhado de suas muitas cognições prévias.

A última proposta que seria a consistência não consta do livro de Calvino. Segundo sua mulher e editora a consistência e trazia referências ao livro “Bartebly, o Escrivão” de Herman Melville. O tal escrivão cartorial por ofício, que certo dia nada mais escreveu e para sempre. Talvez a sua decisão tenha sido influenciada pela inconsistência de sua escritura, de tipo altamente fomatado, sem encadeamento e sem uma sequência adequada para uma apreensão da realidade sonhada. Talvez Calvino quisesse falar sobre o excesso de consistencia que um formato rígido demanda.

Uma preocupação percorre todo o texto do autor no destaque colocado em duas imagens para simbolizar a geração da informação e a sua absorção no espaço dos receptores. O cristal facetado e exato em sua capacidade de refratar a luz é a representação da invariância e da regularidade das escrituras modeladas do texto. Uma imagem que se adapta à narrativa estruturada, onde a ciência da informação tem se inspirado na sua ideologia de centralidade e arranjo homogêneo dos conteúdos juntados em nome da ordem e do controle.

Contudo,ao ser refletida em múltiplas direções a narrativa cristalizada se altera para ser chama que é a imagem da inconstância e da indefinição associada a cada percepção na sua incessante agitação, manipulando sensibilidades no estoques da consciência ao apreender a informação que quer ser conhecimento.

O cristal é a invariância do formato linear que vai de signo a signo como um folhetim que quer se contar ancorado a uma forma única. Calvino não pode viver a época dos formatos digitais abertos, mas as suas propostas para mudar traços lineares estão adequadas as partículas entrelaçadas que viajam em ondas de pensamento e do hipertexto.

A metáfora do cristal e da chama ilustra os ritos dos fluxos das mensagens no tempo anterior ao conhecimento. A informação tem que deixar a beleza do cristal, o tesouro da forma, para consumir-se na individualidade da chama de cada um. A interiorização acontece em uma realidade multifacetada e formada por micronações diferenciadas e isoladas por sua singularidade.

Os habitantes destas comunidades sociais tem condições alteradas de: instrução, renda, interpretação dos códigos formais, tipo de acesso à informação e aos diferentes canais de transferência. Os espaços sociais diferenciados não constituem uma simples justaposição de singularidades, ao contrário são espaços com forte sentimento coletivo, um corpo de costumes, tradições, sentimentos e atitudes. Concentram um conjunto de saberes, regras, normas, proibições e permissões que são conservadas e transferidas através de sensações próprias.

A comunicação eletrônica veio, definitivamente, libertar o texto e o seu conteúdo da ideologia dominada pelo formato. O instrumental tecnológico que possibilita esta nova interação é restritivo em termos econômicos e de aprendizado socialmente exclusivo. Contudo, isto não vai anular as condições que colocam a escrita digital como uma nova e mais eficiente maneira de se publicitar a mensagem de forma mais livre e economicamente mais viável de se conseguir, em curto tempo, maior inclusão social para lidar com os significados.

Aldo Barreto
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Fonte: Grande parte deste texto foi baseada no livro “Seis propostas para o próximo milênio”, São Paulo, Cia. da Letras, 1990 de Ítalo Calvino. Em dezembro 1999, há dez anos, publicamos Os Destinos da Ciência da Informação: entre o cristal e a chama artigo que moveu esta mensagem,contudo o artigo tem maior amplitude temática e que está em:
http://aldoibct.bighost.com.br/cristalChama.pdf

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