quarta-feira, novembro 04, 2009

A solidão social e a solidão fundamental



Um propósito da ciência da informação é o de conhecer e fazer acontecer o sutil fenômeno de percepção da informação pela consciência; percepção que, conduz ao conhecimento da coisa percebida.

A essência do fenômeno da informação é a sua intencionalidade. Uma mensagem de informação é direcionada, arbitrária e contingente para atingir o seu destino; cria tensão ao passar do mundo do gerador ao mundo do receptor, o lugar do conhecimento.

Nos momentos de passagem a essência da informação tem uma particularidade de solidão fundamental que existe em todo ser humano pensante, o que acontece quando um pensamento criador se faz informação e esta informação se torna conhecimento para o receptor. Isto provoca uma nova relação do homem com o seu ambiente e com sua vida em relação aos outros. Esta solidão radical está inserida na privacidade desejável para cada ser humano. A solidão é fundamental pelo momento de quietude que exige para criar ou assimilar a informação, mas não se relaciona com a solidão social, que é estar só, afastado e desligado da mundanidade do mundo.

Toda enunciação, mesmo quando na forma imobilizada pela escrita é uma resposta a alguma coisa. Um elo da cadeia dos atos de fala. Todo dialogo na solidão prolonga aqueles que o precederam e trava um debate privado. É uma conversação com enunciação monológica pela privacidade requerida e é produzida para ser compreendida e orientada no contexto da vida ou da realidade daquele indivíduo.

Em um processo de comunicação, a transferência de uma mensagem, é um fato bastante acessível ao entendimento. Os eventos são claros: as pessoas falam e escrevem se comunicam entre si. Todo ato de conhecimento está associado ao conteúdo significante de uma estrutura de informação e representa uma cerimônia com ritos próprios; uma passagem simbolicamente mediada por uma condição desta solidão vital.

Para o lingüista a comunicação é uma cadeia de eventos quase evidente. Mas para a investigação existencial é um enigma e até mesmo um milagre. O estar junto, como condição existencial ultrapassa essa condição da solidão fundamental, um isolamento expereinciado e necessário para uma pessoa no processo de produzir ou interiorizar uma experiência vivenciada em um ato privado. Este estar só nada tem a ver com a instância do diálogo social. O dialogo é um evento posterior que liga locutor e ouvinte. [1]

Mas o comportamento na solidão basal que pode levar ao conhecimento requer uma condição de solidão social para existir a reflexão. Uma possibilidade de se estar sozinho para deixar fluir o pensamento e suas interações de memória e da percepção são necessárias para interiorizar a falação da informação.

Esta condição de estar socialmente só vária em diferentes ambientes culturais, mas no contexto de países latinos do sul é quase proibido ficar sozinho, “somos vigiados por familiares, cujo princípio básico é evitar a solidão social de seus membros. O isolamento ou a individualidade é percebido como sintoma de que algo não está bem, algo que pode ser o primeiro sinal de uma alienação”. A “recusa de relacionar-se socialmente pode ser considerada uma anomalia, uma antipatia ou uma anormalidade.” [2 ]

A web social de vivência pela não presença veio ajudar a contornar este mal estar social de uma presença física compartilhada e obrigatória para confirmar uma condição intelectual saudável.

Estamos convivendo na web com um novo padrão de participação social. Estamos vivendo momentos fascinantes ao presenciar uma transformação nos padrões de entendimento entre as pessoas que vai modificar muito a situação ao seu redor. Você pode estar sozinho em um seu espaço de isolamento e individualização, mas conectado ao mundo, tendo ainda preservada a sua condição de solidão fundamental para interiorização de conhecimento.

O contato digital como a magia opera na dimensão das sensações e das percepções do imaginário. A imaginação da coisa e sua representação foram modificadas no ciberespaço para adaptar-se a esta solidão dissimulada. A coisa imaginada dispersou-se em um fluxo continuo de significados desfamiliarizados de signos convencionais. No espaço de solidão conjunta formam-se novas paisagens de um imaginário liberado.

A convivência digital possibilitando acesso a múltiplos espaços de pensamento amplia o imaginário. O receptor afronta a solidão digital adicionado por um terremoto de opções para seu imaginário e daí para conduzir em isolamento o seu caminho de percepção e assimilação.
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[1} Paul Ricoeur – Teoria da Interpretação, Edições 70
[2] Fragmentos do texto de Roberto Da Matta, Ficar sozinho no Brasil, publicado no Caderno Opinião do jornal O Globo de 04/11/2009. Edição impressa

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