sábado, fevereiro 20, 2010

Um terremoto de palavras permitindo uma nova escrita




"Escrever é retirar-se. Não para a sua própria tenda para escrever, mas para a sua própria escritura. Cair longe da linguagem, emancipá-la ou desampará-la, deixá-la caminhar sozinha e desmunida. Abandonar a palavra deixá-la falar sozinha o que ela só pode fazer escrevendo. Abandonar a escritura é só lá estar para lhe dar passagem, para ser elemento diáfano de sua procissão: tudo e nada. Em relação à obra o escritor é ao mesmo tempo tudo é nada. “Como Deus: tens ai a prova de sua onipotência; pois Ele é ao mesmo tempo o todo e o nada” (7)

Assim, seguindo o pensamento de Derrida, também, as Lexias de Barthes são apontadas como fragmentos do texto que caracterizam uma unidade de leitura, um corte completamente arbitrário sem qualquer responsabilidade metodológica. A lexia é o envelope de um volume semântico, a linha saliente do texto plural. O local onde acontece um terremoto de palavras dando ao texto a chance de sair para um outro. O texto mesmo que seja ele o primeiro ou um dos seus muitos entrelaces será sempre quebrado, interrompido em total desrespeito por suas divisões naturais: "no texto se subtrai toda a ideologia de totalidade para precisamente maltratar o texto cortar-lhe a palavra." (6)

Os artesões da escrita estão como a espreita para agregar mensagens, para como um "bricoleur" formar outros textos que permitam novos significados relacionados. No pensamento dos Mitemas de Lèvi-Strauss há o abandono de toda a referência a um centro, um sujeito, um contexto específico ou uma origem absoluta. O discurso nas estruturas acêntricas dos mitos não tem um sujeito ou um centro absoluto. (1)

O mito de referência não deriva unicamente de uma posição central, mas de sua disposição irregular no interior do emaranhado de fragmentos que se interconectam: " O mito e a obra musical são como maestros de uma audiência de executantes. A música e a mitologia confrontam o homem como objetos virtuais onde somente a sombra é atual" (8)

“Peter Gay, em seu livro Modernismo (2), a propósito de Baudelaire diz que a sua voz era “a voz da poesia pura e simples”. Daí a resposta à sua própria pergunta sobre a arte pura, segundo uma concepção moderna: “É criar uma mágica sugestiva, contendo a um só tempo o objeto e o sujeito, o mundo exterior ao artista e o próprio artista.” É o todo estruturalmente sempre um todo". Um conjunto formado, natural ou artificialmente, pela reunião de partes ou elementos, em determinada ordem ou organização desfamiliarizada. O emaranhado de textos digitais são alinhavados com múltiplas sensibilidades.

Vai daí que o estruturalismo de Lévi-Strauss esteve comprometido com a busca de outros universos da arte e para isso, buscou constituir uma lógica do inconsciente nas narrativas das coletividades cujas vozes contam o mundo segundo sua sensibilidade. Expressões de uma mediação gráfica que se esquiva dos códigos fixos no procedimento aberto dos linguajares de convivência.

Para Lévi-Strauss a diferença entre o primitivo e o moderno não está propriamente no campo das formas de representação, mas na forma de expressar estas relações. A condição culinária do autor apresentada no cru e no cozido está coerente com o abandono de toda a referência a um centro, um sujeito ou uma origem absoluta. Assim o discurso das estruturas sem centro determinado não tem um sujeito ou ponto absoluto. O núcleo tutor da narrativa não deriva unicamente de uma posição central, mas de sua posição irregular no interior do emaranhado de fragmentos que se interconectam. São partes que tem significado quando na bricolagem do todo.

Cada conjunto de narrativas pertence a uma ordem do discurso e uma representação gráfica da linguagem. Um conjunto de enunciados virtualmente disponível forma uma rede onde a crua informação pode transformar-se quando cozida em conhecimento. O pensamento da enunciação em tempo real difere do pensamento sequencial interiorizado no formato. Caminhamos cada vez mais para depender de coisas exteriores a nosso corpo na ação das trocas de informação. Exterioridades sensíveis são próteses de alongamento para uma sociabilidade elaborada como uma partitura de poética própria. A escrita constitui-se, então, em uma representação exterior, no espaço e no tempo real, sendo mais que nunca uma um episódio sensível no utilizar das palavras.

Estas exterioridades sensíveis vão juntando partes e peças para formar a matéria essencial do significado, em um contexto que tem um início sem final destinado por forma ou tema. Como o bricoleur Lévi-Strauss, onde sua narrativa inicia em um ponto qualquer do espaço e tempo. A sua estratégia consistia em estabelecer diversos pontos de partida, mas nenhum de chegada e sua ideia de mito como o conhecimento jamais toma uma forma definitiva, pois ao contar um pode surgir sempre um outro, indefinidamente.


Notas:

[1] O Modernismo de Lévi-Strauss texto de Carlos Vogt em Com Ciência No. 108 - 10/05/2009 http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=46

[2] Gay, P. Modernism. Nova Iorque/Londres: W.W. Norton & Company Inc.; 2008. p. 40.

[3] "O cru e o cozido - Mitológicas 1", recensão por Mariza Werneck Mariza Professora Doutora do Departamento de Antropologia da PUC-SP.

[4] Lèvi-Strauss, C., O Cru e o Cozido,. Brasiliense, São Paulo, 1991.

[5] Um mitema é uma unidade de significado que relaciona estruturas temáticas existentes em uma determinada narrativa. O pensamento de arranjo em tempo real mostra um trabalho de composição da narrativa que usa uma estrutura técnica desconcebida. http://www.dgz.org.br/out04/Art_01.htm

[6] Barthes, R., O Rumor da Língua, Edições 70, Lisboa, 1987

[7] Derrida, J., A escritura e a Diferença, Editora Perspectiva, 2ª edição , São Paulo , 1995.

[8] Lèvi-Strauss,C., O Pensamento Selvagem. 3ª edição, Papirus, Campinas, 1989.


* Este texto aparece no Datagramazero de fevereiro de 2010 em Colunas
www.dgz.org.br

Um comentário:

bblogante disse...

alá, dá um pulo lá ni nóis!

aostumus também de avoar nas palavras, as vezes, enrabichados nelas

abraço

beto Ruschel


palavras avoantes...