Um abismo
geracional separa professores e alunos afetando as relações de admiração e respeito que estimulam o desejo de aprender
trechos de um
artigo de Rosiska Darcy De Oliveira*
“Uma mudança de era deu lugar a um abismo geracional que
separa professores e alunos, minando as relações de admiração e respeito que,
no passado, estimulavam o desejo de aprender. Os professores estão hoje a
cavaleiro entre dois tempos; um passado em que conteúdos eram transmitidos de
uma forma que hoje chamaríamos tradicional; um presente em que os alunos,
digitais nativos habitam, fascinados, o espaço virtual como vida real e são
habilíssimos em tecnologias que os professores mal dominam.
A virtualidade é o meio ambiente de uma juventude portadora
dessas próteses cerebrais que são os celulares, prolongamentos de seus corpos,
onde trazem armazenada — Google dispensando o trabalho da memória — toda a
informação do mundo. Fotografam tudo que se passa como que deixando provas
tangíveis do que é vivido em tempo real, marcando o instante, sem apelo à
abstração da memória, seus caprichos e brumas.
Como tudo é registrado sem esforço, é o próprio esforço que
se torna um comportamento raro e desvalorizado, o que representa um perigoso
efeito colateral. Entre alunos e professores há distância e estranhamento. Por
vezes, agressividade. A pletora de informações que cada um acessa quando tira o
celular do bolso não implica que os jovens tenham a mínima ideia do que fazer
com elas ou, pior, que saibam a diferença entre informação e conhecimento.
A aquisição de conhecimento depende do desenvolvimento de
aptidões mentais e do domínio dos códigos culturais que permitem navegar com
alguma coerência em um oceano de informações desgarradas. As informações
disponíveis na internet são um tesouro literalmente incomensurável.
Problemática é a exígua capacidade de processá-las e lhes dar algum sentido.
Assim como a palavra ganha seu sentido no texto e o texto
ganha sentido em um contexto, a informação pede para se inserir em um
patrimônio cultural que caberia à escola transmitir. A contextualização é
condição da função cognitiva ao mesmo título que a consciência de ter
aprendido, tão cara ao grande Jean Piaget. É a transmissão do patrimônio
cultural e de valores que dão à juventude o sentido de pertencimento à aventura
humana e estabelecem os vínculos de continuidade entre as gerações que se
sucedem.
O desafio da educação é a formação de indivíduos aptos a
pensar pela própria cabeça, capazes de transformar informações em conhecimentos,
abertos à inovação e experimentação, afeitos à argumentação e escolha. O que
Edgar Morin chama “uma cabeça bem feita”.
A vida em tempos de internet exige da escola uma metadisciplina, o
aprender a aprender. Quem serão os professores dessa escola aberta ao
desconhecido, sob forma de pesquisa, e ao inesperado, sob forma de criação?
Não há receita pronta de escola e sim ingredientes a
combinar: a aquisição de conteúdos específicos com o aprendizado de
competências transversais que permitam aos jovens dar sentido a si mesmos e a
um mundo em que terão vida longa e as certezas curta vida."
Rosiska Darcy de Oliveira é escritora
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