domingo, junho 21, 2009

A escrita é uma alegoria da linguagem


A linguagem é um universal parte da condição humana e muito antiga, já a escrita, como sistema, é uma invenção relativamente moderna. Se existem hoje 10 mil idiomas, existem só 400 escritas e somente 12 faladas por mais que um milhão de pessoas.
Compreendo a linguagem como um sistema de signos convencionados que pretendem representar a realidade objetiva para possibilitar a comunicação humana, e entendo a escrita como a manifestação gráfica de uma língua, de forma permanente ou em evolução, mas inscrita em um suporte. A escrita se flexiona no tempo.

Nossas mentes forjadas em uma existência oral ainda não lidam bem com a escrita e domar a apreensão pela leitura implica redesenhar as cadeias de pensamento integrando novas conexões neuronais, estruturas do idioma, percepção visual e cognição e memória.

A percepção de um texto escrito é mais complexa que a sensação da percepção da estrelinha que cai no horizonte ou da cadência ancestral da música conhecida. A apreensão da escrita demanda decodificação, recognição e interpretação. Envolve uma configuração mental com a participação de avaliação, memória, signos, significantes e significados.

As sucessões de eventos, que se ajustam, para interiorização do significado, de uma estrutura escrita, exigem uma condição de solidão fundamental do receptor. Esta é uma condição de isolamento subjetivo para articular o pensamento naquele tempo e nada tem a ver com a solidão por não estar junto com outros.

A maioria dos textos tradicionais é sequencial, ou seja, existe uma única sequência linear definindo a ordem na qual o texto deve ser lido e tudo se coloca em um tempo único e delimitado. Mas a escrita digital não é sequencial; não existe uma única ordem de leitura, e esta acontece por textualidades em entrelaçamento personalizado e através de uma multiplicidade de escritas sem que uma domine a outra, como tendo sua paternidade definida na linguagem.

A apreensão pela escrita linear se dá em um momento do presente em confluência com o passado e na perspectiva do futuro. Mas na leitura digital a percepção está em um tempo online de uma realidade virtual sem distância ou superfície delimitadas onde a interiorização acontece em um presente imponderável, pois a velocidade da coisa toda faz com que passado e o futuro desabem neste presente. Um presente que é a soma de todos os tempos.

Aldo de A Barreto

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