domingo, março 28, 2010

Uma tecnologia ligando o passado ao futuro


No início do seu elogiado livro "The writing revolution - cuneiform to the internet" (A revolução da escrita - do cuneiforme à internet, Blackwell, 2009), Amalia Gnanadesikan diz que a escrita é um sistema que ela classifica como uma tecnologia maravilhosa que possibilita, do passado, falar diretamente ao futuro.

“Aprender um sistema novo de escrita é como aprender um código secreto, só que muito mais útil no cotidiano. Uma revolução ocorre cada vez que uma escrita é decifrada. A decifração dos hieróglifos egípcios por Champollion na década de 1820, por exemplo, reintroduziu para o mundo um modo de escrita que era completamente esquecido e muito mal-entendido na época.

Ninguém acreditava que a escrita linear pudesse ser Grego até sua decifração por Ventris na década de 1950. Chegou-se a pensar que os Glifos dos maias não passavam de um calendário complexo, até que sua decifração começou nas décadas de 1950 e 1960.

Nós humanos somos criaturas linguísticas. Nossa comunicação se dá por meio da linguagem e até pensamos tendo-a como base. Então, quando comunicamos nossos pensamentos por meio da escrita, primeiramente nos trajamos de linguagem. De fato, é o que define a escrita. Ela é algo que você lê como 'linguagem' e não um mero conjunto de ideias vagas. Para tornar suas ideias mais específicas, você precisa usar palavras." (citando a autora em http://cienciahoje.uol.com.br/zmi/cienciahoje/revista-ch/2010/268/a-maior-invencao-humana)

A Internet e as adaptações da web provocaram uma espécie de reposicionamento da escrita e da leitura com uma nova forma de emissão da palavra. A postagem tem um código de referência reduzido e simplificado e, de alguma maneira, subverte a estrutura da linguagem. A velocidade na troca da informação fixa uma economia de palavras na entrada de texto em um meio digital.

Uma postagem mostra o estranhamento e a individualidade dos discursos em convivência. A postagem se relaciona com o "differend" * e não com o consenso. Em um formato digital a sensação da percepção dos significados não é universal em sua condição estética.

O diferend não pretende se alinhar a nenhum formato ou uma escrita que represente um pensamento geral, pois ele é o estado instável da linguagem, o sentimento que se tem de não saber , ainda, como colocar o pensamento em frases . O differend coincide com um o estado emotivo do pensamento; é aquela impressão que temos de não conseguir achar as palavras certas para finalizar o nosso discurso.

A Internet cria, assim, uma escrita virtual, uma fala digitalizada que mescla das duas modalidades da língua: a linguagem do pensamento do emissor com sua edição imediata quando lançada no postar.

Na troca veloz da informação o conteúdo só interessa a quem escreve e a quem lê. Assim como é inútil tentar corrigir a língua falada, também parece inútil tentar vigiar e corrigir a língua escrita na web, porque ela é fugaz, efêmera e se dissipa na maioria das vezes ao final de uma interação; raramente chega a ser impressa em papel.

A exatidão e objetividade da verbalização textual distanciaram a escrita dos laços sentimentais e emocionais, que está sendo resgatado no formato digital de convivência e reconstruído na sociabilidade virtual. Inovando, pois a simbologia na comunicação entre parceiros digitais, que trocam mensagens criando símbolos com novos significantes para antigos significados.



* LYOTARD, JEAN-FRANÇOIS. The Differend: Phrases in Dispute. Minneapolis: U of Minnesota , USA 1988. - Lyotard descreve a incomensurabilidade da imaginação e da razão como um differend. O differend é ser encontrado no centro do sentimento sublime: no encontro dos dois 'absolutos' igualmente presentes para o pensamento, a totalidade absoluta quando se concebe e o absolutamente medido quando se apresenta. A situação é análoga a uma colisão de dois jogos de linguagem diferentes: cada um absoluto nas suas regras.

2 comentários:

Rafael Tadeu de Matos Ribeiro disse...

Olá,
Parabéns pelo interessante blog. Conheça os meus blogs:
www.imperativocientifico.blogspot.com
(divulgação científica) e
www.petalasesepalas.blogspot.com

Abraço
Rafael

marceano disse...

Um pensamento muito interessante que pretende ligar, diria com algum "desespero" positivo, duas linguagens diferentes, não querendo dizer que tal evolução seja positiva embora a fase actual seja "moderna"..digital, enfim, virtual afinal e apenas isso..embora seja o que o futuro está delineando.
Tenho imenso gosto em partilhar consigo, apenas pelo conhecimento, o trabalho que tenho desenvolvido nestes últimos 17 anos. Com um o bjectivo evidentemente comercial que não deverá ser considerado aqui. Foi a partir do meio industrial que desenvolvi tal ideia que se tornou numa "paixão" e por onde pretendo navegar até ao fim.. O mundo digital se, por um lado tem crescido como uma óptima ferramenta, tem absorvido de tal modo a curiosidade humana que abafa a permanência no nosso Mundo das culturas tradicionais, criando novos conceitos e "apagando" as argilas, as pedras e o papel como veículos tradicionais do conhecimento. Quiz voltar um pouco atrás porque a pedra perdeu o protagonismo sem ter sido investigada até ao fim nas suas potencialidades reais. É uma "luta" que já não pretendo abandonar senão continuar..apesar da vida encurtar e o tempo escasseiar... Tenho um blogue, ainda inacabado...onde poderá ver onde se chegou, aos limites da nossa visão...coincidindo na época com o crescimento do mundo virtual..Nunca foi uma luta senão uma colaboração total onde a pedra não quer perder o seu protagonismo vital e real do nosso habitat. Um dia (brevemente)ela "falará" de sua justiça com a nova ciência da nanotecnologia...!
Cumprimentos.
re: "microgravandoapedra.blogspot.com"