A informação para ser apropriada necessita ser recebida e aceita como tal. Os receptores necessitam estabelecer um dialogo com o universo semântico em que a informação está inscrita e ter competência para elaborar mentalmente este código de inscrição; necessitam, ainda, uma condição cognitiva para sua interpretação e apreensão. A informação não percebida por falhas de tradução do código de inscrição ou condições inadequadas de sua disseminação não são assimiladas e não se transformam em conhecimento. Permanece no silêncio.
O silêncio da informação é o silêncio da incomunicação uma terrível desarmonia de palavras, gestos, fatos que não seguem adiante em seu percurso e da qual temos alguns relatos impressionantes:
"No século 18, o naturalista alemão Humboldt foi a Venezuela encabeçando uma expedição científica; em determinado momento da viagem, a expedição chegou à aldeia dos índios Atures e descobriram que ela havia sido incendiada até os seus alicerces pela agressiva tribo dos Caribes; os restos dos Atures já começavam a ser cobertos pela selva. Buscaram e buscaram, mas não havia sobrevivente algum.
“Só encontraram um aturdido papagaio de cores brilhantes, que vivia entre as ruínas, e repetia uma e outra vez longos discursos numa língua incompreensível. Era a língua dos Atures, mas não restava ninguém mais que a entendesse.”
“Há aquele outro caso, verdadeiro e terrível, de um mendigo de Nova York que foi tirado das ruas pela assistência social, por ter desmaiado de tanto frio ou por ter sido atropelado por um carro com consequências leves. Sem que soubessem do acidente, policiais o submeteram a uma longa interrogação e avaliação e consideraram que estava doido de pedra: não falava, não dava sinais de reconhecer nada do que lhe diziam: bramava e se sacudia furiosamente.
Um juiz determinou que o menino poderia ser um perigo para si mesmo e para os outros e mandou interná-lo num hospital psiquiátrico.”
“Um homem passou dez anos trancados num manicómio até que alguém descobriu que não era maluco, e sim mudo e romeno: era um imigrante ilegal recém-chegado ao país quando foi detido. Não entendia o que lhe diziam e não conseguia se expressar na sua fúria que era a angústia de quem se sabe incompreendido.
Um outro bizarro exemplo da incomunicação é o caso do chimpanzé, “ela se chamava Lucy e era do Quênia. Fora adotada por um casal de biólogos ingleses, que a pegaram ainda bebê, depois a criaram dentro de casa como se fosse humana e lhe ensinaram a linguagem dos surdos mudos, o que, aliás, não é nada extraordinário, porque muitos primatas já aprenderam a entender e usar esse código gestual.
Passaram-se assim muitos anos, talvez quinze ou vinte, e os biólogos se aposentaram e tiveram que voltar para Londres. Era impossível levar Lucy consigo, de maneira que a deixaram num zoológico.”
De novo passaram-se longos anos e afinal um professor de crianças deficientes que passava as férias na África foi visitar o jardim zoológico e deu com um chimpanzé agarrado às barras da jaula, fazendo gestos absurdos e frenéticos dirigidos a qualquer um que estivesse por perto.
O professor, curioso, também se aproximou; e ficou paralisado quando percebeu que entendia o que o animal estava dizendo. Era Lucy que, na linguagem dos surdos-mudos, pedia desesperadamente a todo mundo: "Tirem-me daqui, me tirem-me daqui, tirem-me daqui".
"O traumático nem sempre é aquilo que faz ruído, e sim o que fica mudo." E, lá do silêncio, procura ser entendido.”
[Estas histórias contadas como verdadeiras estão no Livro de Rosa Montero, A louca da casa, Ed. Ediouro 2003. [A imaginação é a louca da casa" dizia Santa Tereza de Jesus ]
2 comentários:
Os casos são comoventes. Mas acrescento que o principal exemplo de incomunicação é a nossa comunicação atual, mediada pelo computador, a do excesso de ruídos digitalizados e tribalizados da cauda da blogosfera. Por outro lado, conglomerados de mídia prestam atenção ao que é pautado nos blogs e isso revela uma importante repercussão política, pois põe em igualdade de visibilidade veículos com contratos sociais diversos. Sua idéia para justificar a incomunicação, com os exemplos que citou, corrobora com a idéia de Charaudeau de que o reconhecimento recíproco das regras de uma interação comunicativa revela que há um acordo prévio entre os participantes, um contrato de comunicação(Charaudeau, 2006, p. 68). O contrato depende do seu contexto, os dados externos, ou seja, em qual ambiente acontece a comunicação, qual dispositivo utilizado, qual a materialidade da comunicação, e muitas vezes também depende do conteúdo debatido, que pode ser encontrado em diferentes tipos de mídia. Outros autores que concordam e falam de incomunicação: >>Wolton, 'É preciso salvar a comunicação'2006, p.15-16, e >>Galeano, 2006[[GALEANO, Eduardo. A caminho de uma sociedade da incomunicação. In: Sociedade Midiatizada / Denis de Moraes (org.) – Rio de Janeiro – Mauad, 2006.]].
Este texto me inspira a dançar!
Postar um comentário